Filme do Dia: Os Rejeitados (2023), Alexander Payne

 


Os Rejeitados (The Holdovers, EUA, 2023). Direção Alexander Payne. Rot. Original David Hemingson. Fotografia Eigil Bryld. Música Mark Orton. Montagem Kevin Tent. Dir. de arte Ryan Warren Smith & Jeremy Woolsey. Cenografia Markus Wittmann. Figurinos Wendy Chuck. Maquiagem e Cabelos Scott Hersh & Michael White. Com Paul Giamatti, Dominic Sessa, Da’Vine Joy Randolph, Carrie Preston, Brady Hepner, Ian Dolley, Jim Kaplan, Michael Provost, Stephen Torne, Darby Lee-Stack, Gillian Vigman, Tate Donovan.

No natal de 1970, o professor Paul (Giamatti), malquisto pelos alunos e colegas pela extrema rigidez, permanece com um pequeno grupo de notas muito baixas ou por impossibilidade de estar com sua família. Eles são os pequenos Alex (Dolley) e Park (Kaplan) e os adolescentes Kuntze (Hepner), Jason (Provost) e Angus Tully (Sessa). Neva bastante e todos se sentem extremamente entediados e como se fossem punidos de permanecerem sob os cuidados logo de Paul, a quem chamam de “oiudo”, por conta de seus olhos saltados e com deslocamento de uma das órbitas. O escasso convívio em um colégio deserto também faz com quem esteja próxima do grupo seja a chefe da cafeteria, Mary Lamb (Randolph), agora sem o pequeno exército de subordinados que preparam a comida dos “trezentos pestinhas”.  Um episódio que mudará a configuração do grupo é a chegada súbita de um helicóptero, pertencente a família de Kountze, que leva o restante do grupo para passar o feriado com sua família, após um acordo com a administração. Sobram apenas Paul, Angus e Mary. Em uma de suas estripulias, Angus desloca o osso do ombro e após sua dolorosa reposição, e com a aproximação da noite de natal,  uma conhecida de longa data de Paul, Lydia (Preston), os convida para passarem a noite de natal na casa dela, quando ela encontra Paul e seu pupilo em um bar. A casa está repleta de gente, entre familiares e amigos de Lydia, embora sejam frustradas as expectativas de Paul quanto a algo mais com ela, pois possui um namorado. Angus troca um beijo com a sobrinha da dona da casa, Elise (Lee-Stack) e Mary afoga as mágoas da saudade do filho morto no Vietnã, na bebida, ao ponto de passar mal e ser amparada pelos dois, ao saírem da festa. Angus deseja viajar para Boston. E o trio parte no carro de Paul, justificando academicamente sua viagem como uma excursão de trabalho. Apesar de um convívio mais distensionado, Paul o surpreende fugindo da sessão de cinema e quase pegando um táxi às escondidas. Ele lhe revela que deseja ver o pai, a quem afirmara anteriormente se encontrar morto. Paul pensa que será uma visita ao cemitério e se oferece a ir com ele, mas ele se dirige a um sanatório. Lá tenta estabelecer um diálogo com Thomas (Torne), mas este apenas reclama achar que estão colocando coisas na comida dele. Angustiado, Angus confessa se encontrar dividido entre o enorme desejo de visitar o pai, e o temor de ter o seu mesmo problema, ao que Paul argumenta ninguém ser uma cópia do pai. O retorno à instituição leva a visita surpresa da mãe (Vigman) de Angus, e seu atual companheiro Stanley (Donovan), a reclamarem da visita de Angus ao pai, que o deixou inquieto e violento, inclusive quase ferindo alguém com o globo de decoração que furtara no dia da festa na casa de Lydia.

Há um movimento no sentido de se sofisticar ou atualizar os dramas afetivos, inclusive agora não mais estritamente familiares, mas os de uma referência heterodoxa e efêmera de família – Angus, a determinado momento, comenta nunca ter tido uma noite de natal tão “familiar”, inclusive em termos de comida caseira, pois sua mãe sempre as encomendava. Tudo marinado pelo sentimentalismo crescente, tão típico a este cinema quanto o psicologismo habitual, chegando a ser desnecessário o uso de uma trilha musical original. As interpretações são ótimas – e Payne é conhecido neste quesito ou ao menos conta com elencos afiados habitualmente. O roteiro deixa um tanto a desejar, tornando boa parte das peripécias visíveis pretextos para uma instrumentalização dos propósitos da trama. Assim, os outros alunos saem de esquadro, deixando o campo livre para o trio que realmente importa. Mary tem uma irmã estratégica a visitar em sua gravidez, deixando o terreno ainda mais propício ao que verdadeiramente importa, os dois outros. Paul tinha que encontrar em Boston um antigo colega de Harvard, a lhe tornar consciente de sua carreira limitada e de um episódio injusto, fundamental para o impedimento do avanço de sua carreira, ciclo que, após a habitual “redenção” do personagem, transformado pelo convívio com o difícil jovem, decidirá romper, a custo de seu próprio emprego. Angus decide visitar o pai. Há, aliás, um momento de comemoração, entre os três + alguém ligeiramente interessado em se aproximar de Mary, e também funcionário da escola, Danny, que daria um final digno de um filme de Terence Davies, em sua pungência agridoce. Porém, demasiado melancólico e em aberto para tal tipo de fórmula.  E se pode dizer que mesmo uma solução interessante pode também ser lida com reservas, a partir de determinado ângulo. É o caso do flerte triplo com histórias de amor que não chegam a ocorrer com o trio. Danny parece estar dando sopa para Mary, mas esta não está interessada ou preparada para seu afeto após a perda dupla e trágica de seus homens – além do filho, o marido morto em um acidente de trabalho bastante jovem. Angus chega a ser interessar por Elise, mas nada vai além do desejo episódico e dos hormônios em alta da dupla. E Paul idealiza um flerte por parte de Lydia, influenciado inclusive por outras opiniões, que não possui fundamento. A reserva é livrar a trama e seus personagens de uma sexualidade mais proeminente, e passível de afastar aquele público mais amplo. Neste sentido, embora Paul seja categórico em defender sua vida celibatária, ainda demonstra interesse por Lydia e faz menção a um passado fogoso, que não irá compartilhar com Angus, por este ser de menor. Porém, no caso de Mary esta figura de uma assexualidade é mais intensa, como se a dor e a empatia, em meio a figura despachadamente cômica, fosse o suficiente. Em termos raciais, é uma fábula sobre uma proximidade interracial, mesmo que tão efêmera quanto o simulacro de família, em um período tão marcadamente decisivo para a questão na história americana, próximo da morte de Luther King e ainda com a memória bastante avizinhada dos movimentos pelos direitos civis da população afro-americana. Mary, no entanto, infelizmente é mera escada para os personagens de professor e aluno. Não que ela não tenha seus próprios momentos dramáticos, mas em um deles está demasiado tomado de emoção e álcool para conseguir se expressar. E ainda se poderia acomodar tal momento dentro da interrupção do enlevo entre os jovens. Em última instância, ela é a Grande Mãe (ou seria melhor Grande Babá?) que compreende o professor que todos detestam e o orienta para ser mais humano, que segura a mão do adolescente em um dos momentos mais tensos para este e se delicia com o enxoval do bebê de sua irmã, que alisa o uniforme do filho morto. Como se sobrasse para ela apenas o instinto maternal após a dupla perda. O filme ao qual professor e aluno assistem na sala de cinema, e do qual Angus foge pensando em visitar o pai é O Pequeno Grande Homem, embora a direção de arte desta produção e algumas cenas o aproximem mais de outros filmes referenciais do período, como A Primeira Noite de um Homem. Algumas cenas são evocativas de outro filme contemporâneo ao momento no qual este é ambientado,como Se..., embora de longe trazendo um conjuntura mais amistosa e uma estética mais realista. E sem qualquer pretensão à vista de firulas alegóricas. |Miramax/CAA Media Finance para Focus Features. 133 minutos.




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