Filme do Dia: Um Instante de Inocência (1996), Mohsen Makhmalbaf
Um Instante de Inocência (Irã, Nun Va Goldoon, 1996) Direção: Mohsen
Makhmalbaf . Rot.Original: Mohsen Makhmalbaf . Fotografia: Mahmoud
Kalari . Montagem: Mohsen Makhmalbaf. Com:Ali Bakhsi, Mohsen Makhmalbaf,
Maryam Mohamadamini, Ammar Tafti, Mirhadi Tayebi, Moharram Zaynalzadeh.
Soldado que fora anteriormente
esfaquado pelo famoso diretor de cinema iraniano Makmalbaf (Makmalbaf)
procura-o em sua casa para oferecer seus serviços para um possível teste, já
que agora pretende ser ator. Encontra sua filha e deixa alguns presentes para
Makmalbaf que, no entanto, acaba não os recolhendo. Após ser negado para o
teste, após um novo encontro com Makmalbaf, este resolve contar a história que
ocorrera entre ambos. O soldado deve encontrar entre um grupo de adolescentes,
aquele que deve representar seu papel quando jovem. Embora divirja da escolha
do cineasta - preferia um rapaz mais belo – conforma-se com a escolha do jovem
e passa a lhe dirigir na “composição” de seu papel. Para tanto, o leva ao mesmo
local em que trabalhava, quando fora esfaqueado, após irém ao mesmo alfaiate
que lhe servira, quando fora comprar sua farda. Afirma ao alfaiate que o traje
é para uma representação para cinema, esse demonstrando seu encanto com os
antigos filmes de Kirk Douglas, Anthony Quinn e John Ford. Tenta transmitir ao
jovem o porte e as formas de agir de um militar, assim como o ato de amor ao
entregar a rosa em um vaso para a jovem transeunte que todo dia lhe pergunta as
horas, e que ele desconfia se encontrar apaixonada por ele. Quando ensaiam a
cena uma jovem passa e pergunta as horas a ele, reproduzindo tal e qual a cena
que marcara sua adolescência. Enquanto isso, o diretor também escolheu um jovem
que irá representá-lo, um jovem sensível que além de desejar salvar a
humanidade, possui algo em comum com o cineasta: ambos nutriram/nutrem na mesma
idade uma paixão por uma jovem prima que lhe punha uma flor nos livros que lhes
emprestavam . O diretor vai atrás da filha de sua prima, para representar o
papel que fora da mãe, contando até com a semelhança física entre ambas, mas a
mãe não a libera, afirmando que tem que estudar. A filha passa a reclamar da
vida que leva, enquanto o diretor e seu alter-ego vão atrás da jovem por quem
se encontra apaixonado, na saída de sua escola. Esta imediatamente concorda com
o proposto. Ambos continuam conversando e o jovem lhe indaga se ela pretende
ser um dos pais da humanidade, juntamente com ele, porém ao saber que a
humanidade comporta 6 bilhões, a jovem demonstra ser uma responsabilidade muito
grande, provavelmente além de suas forças. O jovem se irrita e ela procura
contornar a situação, mas ambos se separam e ela cruza com o jovem soldado e
seu “diretor” de cena, perguntando-lhe as horas. Quando se encontra em seu
posto, um enterro distrai a atenção de todos - o câmera da equipe, o soldado e
seu diretor. Todos procuram seguir o cortejo funébre. O jovem deixa a rosa
sobre um parapeito. Porém, advertido por seu diretor, retorna e não mais
encontrando a rosa sobre a réstia de sol e, indagando várias pessoas, e
descobrindo que fora levada por um grupo de mulheres para uma padaria. Finalmente a cena-chave do filme irá ser
filmada. O ator que representa Makmalbaf enquanto jovem se dirige, juntamente
com sua prima, até o local onde irá cometer o crime. Antes compra um pão na
mesma padaria em que o jovem soldado encontrara sua rosa. O pão servirá para
esconder o canivete que cometerá o crime. Porém, quando se aproximam do local,
ele é possuído por uma crise convulsiva de choro, perguntando porque tem que
cometer tal ato impuro para salvar a humanidade. O jovem soldado também não se
encontra a postos, já que fora atrás do cortejo funébre. Advertido por Makmalbaf para se controlar, o
jovem repete a cena, mas agora ao descobrir que a jovem porque ansiara vinte
anos em descobrir a verdadeira identidade e que achara que nutria amor por ele,
não passava de uma comparsa do diretor no atentado, o verdadeiro soldado
abandona furioso às filmagens. É seguido pelo câmera que procura contornar a
situação. Dividindo o mesmo quarto, o velho soldado reflete e ao refazer sua
encenação com o jovem ator, pede-lhe que atire na moça quando ela for lhe
perguntar as horas, para se vingar da “traição” que ela lhe perpetrara. Quando
a cena finalmente vem a ser filmada, após a moça perguntar por diversas vezes
as horas ao jovem soldado, este após hesitar em puxar a arma, entrega-lhe o
vaso com a rosa, no mesmo momento em que o jovem que acompanha a moça,
desistindo de atacá-lo, entrega-lhe o pão que carrega.
Belo e sensível filme iraniano, em que
o diretor com a simplicidade habitual de recursos, navega através de planos
freqüentemente longos e uma montagem original que costura, em dois momentos,
situações diversas da narrativa, apresentadas em flashforward - ficamos sabendo que a menina que pergunta as horas
para o jovem soldado no primeiro é sua futura companheira de filme, embora
ambos não saibam no primeiro momento e que o desvio de atenção do jovem soldado
para ir atrás do cortejo fúnebre se dá no exato momento em que a cena final
começa a ser filmada. O cerne do filme é caro a praticamente toda a nova
geração de cineastas iranianos - particularmente o Kiarostami de Através das Oliveiras (1994) - ou seja,
a tênue linha que separa a ficção da realidade (o próprio episódio ocorreu, na
realidade, com Makmalbaf quando jovem, como forma de protesto contra o regime
de Rehza Pahlevi) e o papel do cinema como meio para a revelação da cruel
verdade - seja a decepção amorosa do soldado ao descobrir que a jovem que amara
esses anos todos não passava de uma cumplíce do terrorista aqui, seja a
desilusão do jovem de Através das Oliveiras, ao descobrir que o final do filme coincide com o final de sua
tentativa de conquistar a jovem por quem se encontra apaixonado. Não faltam,
como no filme de Kiarostami, as tomadas feitas sob a ótica de quem está
dirigindo o carro, ou as seqüências deliciosas de diálogo entre crianças e
adultos - a cena em que a filha de Makmalbef interpela o soldado no início -
como em O Balão Branco, de Jafar
Pahani. A cena magistral do filme é a que o jovem começa a chorar,
impossibilitado de cometer o ato simbólico de assassinar outro jovem (que
lembra cenas semelhantes do filme de Kiarostami, em que a jovem atriz não
consegue chamar seu marido de senhor, já que ninguém mais assim o faz: ou seja
a vida real interferindo na ficção via ficção), nesse filme que é um encanto
visual, tanto pelo caráter nitidamente artesanal (no bom sentido do termo) de
sua produção, com destaque para o seu belo e elaborado trabalho de iluminação,
quanto pela força interpretativa dos atores. Trabalhando aqui com um tema menos
hermético e pretensioso que em seu Gabbeh,
Makmalbaf conseguiu resultados ainda mais satisfatórios. Permeado por um
profundo humanismo, o trabalho de Makmalbaf pode se inscrever ao lado de outros
humanistas contemporâneos como o Kieslowski de Não Amarás e Não Matarás.
MK2 Productions/ Pakhshiran. 78 minutos.

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