Filme do Dia: A Sala dos Professores (2023), Ilker Çatak

 


Sala dos Professores (Das Lehrerzimmer, Alemanha, 2023). Direção Ilker Çatak. Rot. Original Ilker Çatak & Johannes Dunker. Fotografia Judith Kaufmann. Música Marvin Miller. Montagem Gesa Jäger. Figurinos Christian Röhrs. Maquiagem Barbara Kreuzer. Com Leonie Benesch, Anne-Kathrin Gummick, Rafael Stachowiak, Michael Klammer, Eva Löbau, Kathrin Welisch, Sarah Bauerett, Canan Suvatlar, Leonard Stettnisch.

Carla Nowak (Benesch), vê-se no olho do furacão, quando a escola para a qual trabalha há cerca de um ano, passa a utilizar o lema de “tolerância zero” para com atos polêmicos efetivados por qualquer um de seus membros, sejam alunos, técnicos ou professores. Após uma acusação infundada contra um garoto de origem muçulmana que provoca uma polêmica revista em suas coisas, Nowak observa da câmera de seu notebook, uma gravação que sugere que a pessoa que furtou o dinheiro que possuía na carteira, seja uma funcionária, a Sra. Kuhn (Löbau) que, indignada com a acusação, promete judicializar a questão, até por conta do uso ilegal de filmagens por parte de Nowak. Para complicar ainda mais toda a situação, a acusada é mãe de um garoto brilhante nas aulas de matemática de Nowak, Oskar (Stettnisch). A discórdia está posta. E Nowak tem que lidar com pressões crescentes advindas dos alunos, de um grande grupo de professores e é criticada em plena reunião com os pais dos alunos pela súbita presença da até então desaparecida Sra. Kuhn.

Çatak, realizador alemão de origem turca, consegue com brilhantismo trazer tópicos referentes à complexidade das relações sociais nas sociedades contemporâneas,  a partir de um prisma institucional bastante minado neste sentido: a escola. Contando com a evidência dos motivos do tecido da roupa da Sra. Kuhn para chegar a sua acusação, Nowak, em nome aparentemente de um valor abstrato (“a honestidade”, a “ética” ou o que seja), mais que do próprio valor surrupiado, entra em uma odisseia da qual provavelmente se arrependerá de sua motivação inicial. A origem turca de seu realizador, melhor que tudo, não é passaporte para generalizações fáceis. Do mesmo modo que um garoto de origem muçulmana é motivo de acusação injusta, provocando a indignidade de seus pais, Nowak parece um exemplo de dignidade bem superior a maior parte das personagens. Embora, é bem verdade, mesmo sendo loura, ela tampouco seja alemã, mas de origem polonesa, e sofrendo animosidades por conta disso igualmente – explicitamente por parte de alguns alunos, velada por parte de alguns colegas. Portanto, não é o eixo racial o único motivador das tensões. Nowak se aproxima do perfil dos heróis liberais hollywoodianos nesta defesa de valores mesmo que estes deixem marcas visíveis no seu próprio corpo – uma espécie de amostra grátis do que o delegado de Caçada Humana (1966), por exemplo, sofrerá. Ela tenta a todo custo reverter a expulsão do garoto da escola, mesmo tendo sofrido uma agressão do mesmo e tido seu computador jogado de uma ponte. E o faz com o rosto ainda com marcas da agressão. Há um último sinal de reconhecimento por parte do garoto. Se os heróis liberais americanos foram buscados como uma possibilidade de paralelo por um lado, por outro contrafações diluidoras deste tipo, mais sólidas entre a segunda metade dos anos 50 e os idos da década seguinte, inclusive envolvendo uma temática próxima a da aqui elaborada, em um filme como Ao Mestre, com Carinho (1967), demonstram uma sofisticação da análise que parece ir muito além de apenas atestar uma correspondente complexificação do tecido social de sua época em relação ao filme estrelado por Poitier. Acerta fortemente ao não cair no psicologismo barato. Não temos a pretensão de acesso a subjetividade de ninguém. Apenas os observamos de fora, embora nitidamente haja um ponto de vista, e este se identifique com Nowak. Do mesmo modo, embora a analogia buscada com uma vertente dos filmes clássicos americanos tenha sido feita, ela somente vale até certo ponto. Em ambos casos há um esforço quixotesco de seus personagens – e é relevante que aqui seja encarnada por uma mulher – para irem além das instituições nas quais se encontram inseridas. E pode ser constatado, inclusive, em um filme emblemático do período referido, a lidar igualmente com tensões no processo de ensino, Sementes da Violência. As pretensões e efeitos do modo de agir de Nowak, no entanto, possuem ressonância bem menor sobre o mundo no qual se encontra inserida, inclusive sequer conseguindo reverter a situação de expulsão do aluno. Sua vitória parece residir em uma sinalização bem mais modesta, mas em golpe mais certeiro e menos superficial que os dramas liberais do passado. E significa a não desistência da tentativa de se comunicar com o aluno, apesar de tudo. Em contrapartida a política de “tolerância zero” propiciadora não apenas deste conflito, como de um anterior. E com a qual a professora flerta inicialmente. Fica-se com a impressão de ser um episódio em escala menor que os hollywoodianos no raio de seu alcance, e sabiamente evitando explorar o desmoronamento completo da personagem central, mas traçando um comentário mais profundo sobre o zeitgeist. A referência de uma das casas produtoras ao clássico Se...(1968), de Lindsay Anderson, poderia valer ainda mais para uma influência daquele, o Zero em Conduta dos tempos do mudo, que lidava com alunos mais próximos da faixa etária aqui retratada. |if...Prod./ZDF/ARTE. 98 minutos.

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