Filme do Dia: Rosas de Sangue (1960), Roger Vadim
Rosas de Sangue (Et Mourir de Plaisir, França/Itália, 1960). Direção: Roger Vadim.
Rot. Adaptado: Roger Vadim & Roger Vailland a partir da história original
de Claude Brulé & Claude Martin e do romance Carmilla, de Sheridan Le Fanu. Fotografia: Claude Renoir. Música: Jean Prodromidès. Montagem: Victoria
Mercanton & Maurizio Lucidi. Dir. de arte: Jean André & Robert
Guisgand. Cenografia: Robert Christidès. Figurinos: Marcel Escoffier. Com: Mel
Ferrer, Elsa Martinelli, Annette Stroyberg, Alberto Bonucci, René-Jean
Chauffard, Gabriella Farinon, Serge Marquand, Edith Peters.
Carmilla Von Karnestein (Stroyberg),
numa reunião social, aponta sua semelhança com a ancestral Millarca. Carmilla
sente ciúmes da relação de seu primo, Leopoldo (Ferrer) com a noiva Georgia
(Martinelli). Numa noite em que se festeja com fogos de artifício próximos ao
cemitério abandonado da família, acidentalmente também ocorrem explosões de
minas que existiam na região desde a invasão alemã na Segunda Guerra. Carmilla
caminha pelo local e encontra a cripta de Millarca. A partir de então, sua
atitude passa a se tornar estranha,
desafiadora e fria. Uma garota da região, Lisa (Farinon), torna-se sua vítima e
o empregado Giuseppe (Marquand), que fora o primeiro a observar
Carmilla/Millarca vagando pelos campos,
conhece tudo sobre vampiros e alerta sobre a morte dela. Quando Georgia
adormece, Carmilla a visita e um terrível pesadelo e gritos de Georgia acordam
a todos da casa. Carmilla é vista próxima do castelo e uma explosão a mata.
Georgia parte feliz com o agora marido Leopoldo, porém carrega consigo uma rosa.
Mesmo não sendo nem de longe o filme
hoje, seis décadas após, mais lembrado
de Vadim (E Deus Criou a Mulher, Barbarella), talvez seja a produção
mais interessante que já dirigiu. Nessa versão em língua inglesa, cujo título é
o equivalente da versão brasileira, ainda se conta com sotaques carregados de
diversas procedências. Mais nem isso nem as interpretações não mais que
medianas tiram o brilho da abordagem original e francamente erótica de uma
história de vampirismo que consegue fugir dos clichês habituais das produções
de terror então em voga, fossem as da Hammer britânicas (e contribui para
tanto, o fato de Christopher Lee, sondado inicialmente para o papel vivido por
Mel Ferrer, não ter aceito) ou as produzidas nos Estados Unidos pelo
produtor-diretor Roger Corman. Um certo clima de transe hipnótico é construído
a partir de recursos cênicos e estilísticos relativamente simples mais do que
propriamente por conta de cenas explicitamente de terror ou sangue. Bem dosado
e longe de excessivo tal como o sangue
que surge, como na delicada cena de mais forte sugestão lésbica (herdeira do
romance original, da primeira metade do século XIX, do relativamente pouco
conhecido Le Fanu). Afastando-se dos cacoetes triviais do gênero, não se
observa mandíbulas à mostra ou crucifixos ou corpos sofrendo estocadas para que
os espíritos sejam finalmente libertos do mal– tudo que é semelhante a tais
clichês é resumido numa única fala do criado Giuseppe – o filme, aproxima-se
mais, através de seu intenso e bem aproveitado uso da música, de uma criação
atmosférica algo surreal, levemente aproximada de experimentações vanguardistas
tais como A Queda da Mansão Usher
(1928), de Epstein, mesmo que longe do talento visual deste, que de outras
adaptações do mesmo autor célebres tais como
Vampiro (1932), de Dreyer.
Igualmente bem trabalhada é a dimensão de possessão representada pela
personagem de Carmilla e seu anagrama Millarca que, inconformada com a situação
de preterida na relação romântica, sinaliza ao final para sua posse, ainda que
na pele da noiva Georgia, num arremedo de final feliz que não passaria
despercebido de realizadores como Polanski (em seu A Dança dos Vampiros), sem a necessidade, no entanto, ao contrário
do filme do realizador polonês, que não mais que uma rosa confirme de fato a
possessão da heroína – evocada no filme por uma bem realizada referência de
pesadelo (em p&b, com não mais que o sangue em vermelho, antecipando em
décadas efeitos cromáticos que voltariam a ser utilizados nos anos 80 por
cineastas como Coppola) da qual provavelmente tampouco Polanski passou
incólume; antecipa semelhante sequencia onírico-surreal de seu O Bebê de Rosemary. Seu tom
soturno-gótico, sem a necessidade dos cenários habitualmente vinculados a tais
encenações e sua construção atmosférica podem sugerir paralelos com filmes tais
como o contemporâneo Os Inocentes,
de Jack Clayton, mesmo aqui se lidando com um processo de produção visivelmente
mais precário. Embora a narrativa tenha sido atualizada para o período em que o
filme foi lançado, iniciando e finalizando em pleno voo de um jato comercial, beneficia-se
de uma relativa atemporalidade que parece ser resultante de um bem dosado
equilíbrio entre a obra literária adaptada e as incorporações realizadas por
dois argumentistas. Destaque para a cena da dança sobre a mesa de Carmilla em
seu quarto, auto-evocação de Vadim de célebre cena de Bardot em E Deus Criou a Mulher. Documento
Film/Films EGE para Paramount Pictures. 87 minutos.
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