Filme do Dia: Som da Liberdade (2023), Alejandro Monteverde

 


Som da Liberdade (Sound of Freedon, EUA/México, 2023). Direção Alejandro Monteverde. Rot. Original Rod Barr & Alejandro Monteverde. Fotografia Gorka Gómez Andreu. Música Javier Navarrete. Montagem Brian Scofield. Dir. de arte Carlos Lagunas & Sandro Valdez. Cenografia Rafa Withingham. Figurinos Isabel Mandujano & Juliana Poveda. Maquiagem e Cabelos Olga Turrini Bernardoni & Waldo Sanchez. Com Jim Caviezel, Bill Camp, José Zuñiga, Yassica Borroto, Kurt Fuller,  Lucas Ávila, Cristal Aparicio, Gerardo Taracena, Kris Avedisian, Gary Basaraba, Mira Sorvino.

O agente especial Tim Ballard (Caviezel), até então envolvido em operações vinculadas exclusivamente a captura de pedófilos como Oshinsky (Avedisian), que chegou a escrever um livro defendendo a prática, sente-se amplamente afetado quando testemunha a tentativa de entrada nos Estados Unidos de um pedófilo levando em seu carro o pequeno Miguel (Ávila), filho do hondurenho Roberto (Zuñiga), agenciados por uma ex-miss, Giselle (Borroto). Resta saber o paradeiro de sua irmã, Rocío (Aparicio), separada dele quando um pedófilo escolhe o garoto como “prenda”.

Obscenamente marcado pelo vicário prazer de se observar um justiceiro, acima das limitações burocráticas, tecnocráticas, governamentais ou estritamente profissionais aos quais se veria restrito, caso submisso fosse a elas, lutar contra um grupo que dificilmente seria observado em colorações humanas – se aqui, nem os heróis são – ou se teria alguém a observar que mereceria ser tratado com a mesma dignidade distanciada de outrem sob a tutela da polícia e/ou justiça. Qualquer coincidência com as intervenções estadunidenses em outros países, sob a mesma alegação de “liberdade” seriam mera coincidência? Para facilitar tudo não há meias tintas, ou se é do lado do bem ou do mal, aceitando-se moralmente trânsfugas, desde terem cruzado o eixo do mal para o inverso, caso do Vampiro. E do lado do bem existem valores como a família, a religião (Deus é evocado  em mais de um momento por Mr. Ballard) e a entrega desinteressada, sob o risco da própria vida. Que boa parte das crianças abusadas ou entregues a redes de prostituição o sejam por membros da própria família está longe de se observar como possibilidade. E os personagens funcionam como modelos de tipos ideais – como em Weber, não no sentido de idealizados, mas genericamente representativos, embora com a profundidade de um prato raso. As crianças, por exemplo, são crianças latinas exploradas e somente cabem a elas duas adjetivações ao longo de todo o filme, inocência e vitimização. Já sobre o rosto de Caviezel se poderia talvez se escrever um ensaio no qual bem caberia uma analogia com o cinema hollywoodiano por excelência, onde se perfilaria de tudo um pouco, desde que não se vinculasse explicitamente a algum espectro político – nele pode existir os devaneios de um sensível soldado (em Além da Linha Vermelha), o padecimento para expiar nossos pecados (A Paixão de Cristo) ou a rapidez pornográfica com a qual emerge como um dique a ponto de estourar, as lágrimas em suas órbitas, como Ballard; o filme de Gibson, aliás, parece ter imantado Caviezel a um enquadramento que infelizmente não mais comportaria a abertura para a vida e as sensações observadas no belo filme de Malick. A possibilidade complexa de alguém combater a pedofilia e ao mesmo tempo ser pedófilo, por exemplo, somente pode emergir enquanto caricato truque para se ter provas contra um verdadeiro pedófilo, não como um dos co-financiadores do crownfunding desta produção, citado inclusive nos créditos, e preso por denúncia de pedofilia.  Que os pequenos a serem salvos estejam envolvidos com redes de tráfico humano não comandadas por americanos, a serem salvos pelo gringo com sangue ou lágrimas nos olhos, a depender da situação, deixando para esrangeiros o papel de eventuais pedófilos ou já fora do enquadramento narrativo, o comentário de serem um dos países de maior consumo de pornografia infantil,  apenas reforça cenários de pobreza e latinidade associados ao mal. Que Ballard seja tocado particularmente pelo drama de uma família, e que passe a se ocupar também das crianças, e não apenas mais dos pedófilos, é uma facilidade e tanto para os limites da trama – fica fora de esquadro a continuidade de suas ações, embora também observado um resgate a envolver mais de meia centena de crianças, que irão celebrar agora os “sons da liberdade”. É de embrulhar o estômago. Infelizmente não por empatia do caso, inspirado em um evento real, com as obrigatórias fotos de algumas das figuras históricas ficcionalizadas. |Metanoia/Santa Fe Films para Angel Studios. 131 minutos.






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