Filme do Dia: Mossane (1996), Safi Faye
Mossane (Alemanha/Senegal, 1996).
Direção e Rot. Original: Safi Faye. Fotografia: Jürgen Jürges. Música: Yandé
Codou Sène. Montagem: Andrée Davanture. Dir. de arte: Assane N’Doye. Com: Magou
Seck, Isseu Niang, Moustapha Yade, Abou Camara, Alioune Konaré, Alpha Diouf,
Ibou N’Dong, Moussa Cissé.
Mossane (Seck) é uma garota de 14 anos
de extraordinária beleza que a todos cativa. Ela possui vários pretendentes, e
até seu próprio irmão, Ngor (Diouf) é apaixonado por ela. Prometida desde
criança a Diogoye, está apaixonada pelo pobre estudante Fara (Konaré). Sua mãe
(Niang) pela primeira vez entra em conflito com ela, pois ela recusa o
casamento e quando todo o ritual se encontra em andamento, Mossane afirma que o
casamento não é um negócio e que não ama Diogoye. O trato de casamento é feito
de todo modo, com os pais abençoando a união. Mossane foge no meio da noite.
Ela pega uma canoa e se lança na noite sombria. Seu cadáver é encontrado pela comunidade
no dia seguinte, e sua morte chorada profusamente.
Faye, de carreira renomada em filmes
que passeiam entre o documentário de influência etnográfica e a ficção – o mais
famoso sendo Kaddu Beykat (1975), que
tem trechos exibidos em Caméra d’Afrique
(1983), embora curiosamente seu nome e foto não surjam quando o documentário se
refere aos realizadores africanos mais afamados – realizou uma produção
ficcional com um apuro técnico-visual nunca dantes ou posteriormente visto em
sua filmografia. Aliás, talvez infelizmente a carreira de Faye tenha se
encerrado com essa produção, tendo em vista não ter dirigido nenhum filme há
mais de vinte anos. É indiscutível o talento de Faye para apresentar o
cotidiano de seu povoado, realçado pela belíssima fotografia do veterano Jürges
(habitual colaborador de Fassbinder, no final da carreira desse) e talvez essa
dimensão se sobressaia em relação ao próprio hipnotismo que Mossane parece
exercer não apenas entre os homens, mas sobretudo nesses e, ainda mais, com
relação a história de amor de final tipicamente trágico. De fato, é bastante
improvável que nos engajemos nessa história de amor, pois são criados muitos
poucos passos de identificação com a mesma (ao contrário, por exemplo, de Muna Moto de Dikonguè Pipa) e os
valores de produção, capazes de nos trazer imagens de nos tirar o fôlego, caem
no risco de se agregar como um elemento a mais a exotizar o ambiente e a
cultura retratadas, na contracorrente certamente do propósito de Faye e de sua
filmografia. Longe da polêmica (e da política) e, de uma forma muito
peculiarmente talentosa, avessa a proselitismos em relação a questão da mulher,
outra característica de sua obra, embora a todo momento esses elementos se
encontrem presentes em cena, desenvolve-se um filme em que a postura combativa
em relação à tradição como opressão se dá no campo eminentemente da tradição –
embora recuse o casamento tradicional Mossane é virgem, avessa a mundanidades
frívolas como a da amiga que devora fotonovelas, tem visões de espíritos (numa
das cenas mais intrigantes e criativas do filme) e, em última instância, é ela
própria uma figura tal como uma deidade. Curiosamente, no entanto, o seu objeto
de paixão é um estudante universitário que traja roupas ocidentalizadas. Tais
sinais parecem indicar não apenas uma relação complexa entre tradicional e
moderno, como por vezes elaborada de forma algo canhestra. Se Faye afirma em
entrevista o caráter mítico de Mossane, encontrando-se sua pureza em
discordância com o mundo mesquinho dos desejos humanos, tal esplendor, senão
chega a provocar toda a desagregação entrevista, por exemplo, no protagonista
sobrenatural do Teorema de Pasolini,
tampouco deixa de trazer sofrimento a muitos de sua convivência próxima, sejam
os homens atormentados por um desejo incomum, seja sua própria mãe. Les Ateliers de
l’Arche/Muss Prod./ZDF/La Sept Arte. 105 minutos.
Comentários
Postar um comentário