Filme do Dia: Um Perigoso Adeus (1973), Robert Altman

 


Um Perigoso Adeus (The Long Goodbye, EUA, 1973). Direção: Robert Altman. Rot. Adaptado: Leigh Bracket, a partir do conto homônimo de Raymond Chandler. Fotografia: Vilmos Szigmond.  Música: John Williams. Montagem: Lou Lombardo. Figurinos: Kent James & Marjorie Wahl. Com: Elliott Gould, Nina Van Pallandt, Sterling Hayden, Mark Rydell, Henry Gibson, David Arkin, Jim Bouton, Warren Berlinger.
O detetive particular Phillip Marlowe (Gould) acorda no meio da noite com seu gato miando por comida. Quando retorna das compras, o amigo Terry Lennox (Bouton) pede que ele vá lhe deixar na fronteira de Tijuana. Quando retorna a casa, Marlowe fica sabendo que Terry é suspeito da morte de sua esposa, Sylvia.  Marlowe é chamado por Eileen Wade (Van Pallandt) para que investigue o desaparecimento de seu marido, Roger (Hayden), escritor alcoólatra e confuso. Ao mesmo tempo Marlowe é ameaçado pelo mafioso Marty Augustine (Rydell) que afirma Terry ter lhe roubado. Marlowe encontra Roger e numa noite em que esse conversa com Eileen, Roger entra no mar e não mais é visto. Quando Marty volta a pressionar por seu dinheiro, Marlowe é salvo pelo que chama de anjo da guarda, Eileen. Correndo atrás do carro que ela dirige, sofre um acidente. Resta a ele uma viagem ao México.
Curiosamente contando com uma roteirista veterana que havia adaptado Chandler para as telas no auge do noir (À Beira do Abismo), o filme de Altman faz bom uso do clima sombrio, anti-heroico e misógino de seu original e suas adaptações para o cinema para uma Los Angeles contemporânea, encontrando pontos de contato entre as duas épocas, com a inadequação e senso algo “derrotista” de seus protagonistas se encaixando perfeitamente a um momento de contra-cultura em alta, representado sobretudo pelas vizinhas de Marlowe, porém sem deixar de fazer referências mais diretas ao período original, seja no caso do carro antigo de Marlowe ou no porteiro especialista em imitar personagens do cinema clássico como Walter Brennan e a musa noir Barbara Stanwyck. Sem os excessos estilísticos pós-modernos, o filme recicla como discreto pastiche Bogart na figura do algo apatetado e blasée Gould quase a engolir a guimba de seu cigarro, extraindo seu tom soturno menos da atmosfera enevoada dos noirs clássicos que de um crescente individualismo que parece se estender para a própria geografia da cidade. E também para um clima de nightclub eterno, em que o tédio e o cinismo é o que resta, numa dimensão existencial evocativa do cinema de John Cassavetes, mesmo que sem se imiscuir na interioridade de seus personagens.  Ao que se soma digressões e personagens que não levam muito longe, como o psiquiatra canastrão de Henry Gibson.  E o senso de lealdade e honra, se já podia soar anacrônico nos filmes dantes se torna praticamente uma auto-consciente caricatura do que os separa, um abismo tão grande quanto a “suja” residência de Marlowe e a mansão do mafioso Marty, “próxima da de Nixon”. Longe do preciosismo visual dos clássicos noir, nem por isso o filme se escusa em apresentar momentos visuais inspirados, sobretudo aquele em que o casal Wade se confunde com Marlowe, embora em ambientes distintos, através de seus reflexos nas janelas. O trabalho de câmera, aliás, sempre inquieto e nunca estático, fica a cargo do mestre Szigmond. Scharzenegger tem um de seus primeiros papéis no cinema, como um dos capangas de Marty e não se trata de um substituto para o igualmente avantajado Dan Blocker, que interpretaria Roger Wade, que morreria antes do início das filmagens e a quem o filme é dedicado. Gould cantarolando um velho sucesso e apenas acenando para algo como os gestos de um musical é outro tributo-paródia a Hollywood. A própria canção-tema do filme é ouvida em diversos momentos, diegéticos e não. O episódio da perda do gato foi reciclado pelos Coen em Inside Llewyn Davis – Balada de um Homem Comum. National Film Registry em 2021. E-K-Corp./Lion’s Gate Films para United Artists. 112 minutos.

Postada originalmente em 13/11/2015

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