Filme do Dia: Oppenheimer (2023), Christopher Nolan

 


Oppenheimer (EUA/Reino Unido, 2023). Direção: Christopher Nolan. Rot. Adaptado Christopher Nolan, baseado no livro de Kai Bird & Martin Sherwin. Fotografia Hoyte Van Hoytema. Música Ludwig Göransson. Montagem Jennifer Lame. Dir. de arte Ruth De Jong & Samantha Englender. Cenografia Jake Cavallo, Olivia Peebles & Adam Willis. Figurinos Ellen Mirojnick. Maquiagem e Cabelos Jamie Hess & Ahou Mofid. Com Cilian Murphy, Emily Blunt, Robert Downey Jr., Matt Damon, Florence Pugh, Tom Conti, Kenneth Branagh, Matthew Modine, Rami Malek, Casey Affleck, Gary Oldman, Macon Blair, Bennie Safdie, Dylan Arnold.

Em 1926, em Cambridge, o estudante J. Robert Oppenheimer (Murphy), frustrado com seu superior, que lhe ordena ficar no laboratório, quando o aluno é que lhe alertara sobre a palestra do célebre Niels Bohr (Branagh), envenena a maçã que se encontra sobre a mesa do professor e quase vem a ser comida justamente por Bohr. Ao retornar aos Estados Unidos, encontra sua futura esposa, Kitty (Blunt), e continua uma relação extraconjugal com a instável Jean Tatlock (Pugh), membro do Partido Comunista. Em 1942, o General Leslie Groves (Damon), recruta Oppenheimer para comandar a experiência que resultará na criação da bomba atômica em uma cidade improvisada em meio ao deserto do Novo México, em Los Alamos. Fazem parte da equipe Edward Teller (Safdie). Com a rendição da Alemanha e a morte de Hitler, questiona-se a importância do artefato, mas este será autorizado o uso pelo presidente Truman (Oldman) para por um fim a guerra no Pacífico, sendo detonada em Hiroxima e Nagasaki, e provocando uma brutal mudança de percepção no cada vez mais atormentado Oppenheimer. Manifesta-se igualmente como contrário a fabricação da bomba de hidrogênio, proposta por Taller. O presidente da Comissão da Energia Atômica dos EUA, Lewis Strauss (Downey Jr.), temeroso do discurso crescentemente anti-armamentista de Oppenheimer, explora seu passado de vínculos com comunistas – sua ex-esposa havia sido membro do partido no passado, e além da amante, também seu irmão Frank (Arnold). No processo, mesmo que alguns ex-colaboradores tenham se posicionado do lado de Oppenheimer, Tellman faz comentários negativos. Com sua reputação abalada, distancia-se da vida pública. Quando Strauss é sabatinado para conquistar o cargo de Ministro do Comércio, um ex-colaborador de Oppenheimer, David L. Hill (Malek), liquida suas chances, apresentando todas as falácias da comissão que investigara o cientista, e que o próprio Strauss negara influência. Em 1963, Oppenheimer recebe uma importante honraria das mãos do presidente norte-americano, acenando para sua “reabilitação” enquanto figura pública. Na ocasião, sua esposa recusa o cumprimento de Tellman.

A última cena sintetiza um tique não apenas do filme mas de um modelo de empreendimento cinematográfico estadunidense. Ela entrega o que era a paranoia-mor de Strauss: o que Oppenheimer teria soprado para Einstein passar logo depois por ele, sem lhe conduzir a palavra. É a cereja do bolo no triunfalismo dos excessos do roteiro, com sua enxurrada habitual de personagens, boa parte deles ocupados por estrelas de peso. Pior, não deixa espaço para a imaginação ou ambiguidade. Entrega tudo mastigado, numa bandeja de prata reluzente (a inevitável direção de arte impecável de um filme histórico). E traz um bode expiatório para substituir o que durante muito tempo foi o personagem-titulo, o Salieri da vez. Tudo embalado no psicologismo habitual e no personalismo que aspira qualquer possibilidade de uma compreensão sistêmica mais sofisticada do descrito – ou se fica, no plano micro, com o ressentimento traidor de Strauss, ou, no macro, com o sistema, um monstro triturador de reputações, e seus mil braços (FBI, imprensa, exército, governo, etc.). Tende-se ao engessamento bipolar habitual, e para puxar o herói e sua esposa para o eixo do bem, a de se ressaltar o amor de Oppenheimer pela América e sua postura autosacrificial como uma expiação infinita por ter participado do projeto Trinity. E o mesmo para sua esposa, ressaltando suas quase duas décadas de afastamento do comunismo. Ou ainda, a presença de Kennedy como um dos congressistas que minaram os esforços de Strauss para destruir por completo a reputação de Oppenheimer. Embora nada tão distante de tal maniqueísmo, melhor se fiar nos poucos e acertados comentários de Oliver Stone sobre Oppenheimer, em sua série, no episódio A História Não Contada dos Estados Unidos – A Bomba, onde já se comenta a frase de Truman logo após o cientista  sair de seu escritório. No festival de excessos, um dos mais incômodos é a abusiva trilha sonora, mas outro séria candidata é uma montagem a picotar momentos da vida e depoimentos em comissões, como se estivéssemos a assistir um trailer interminável. E sua metragem, é claro, é também testemunho de sua pretensão de virtuosidade. Infelizmente só consegue engajar no seu terço final ou menos. Cillian Murphy, rendido a ditadura do mimetismo de seu biografado, consegue uma interpretação distante do exagero que o circunda, conseguindo traduzir um falso blasée em constante estado de alerta. Resta saber se sua carreira não será afetada, no pior sentido do termo, pela excessiva visibilidade imediata gerada por esta produção, lançada com grande estardalhaço, à altura de sua produção, na mesma semana de Barbie. |Atlas Ent./Gadget Films/Syncopy para Universal Pictures. 180 minutos.

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