Filme do Dia: Au Pays Noir (1905), Ferdinand Zecca & Lucien Nonguet

 



Au Pays Noir (França, 1905). Direção Ferdinand Zecca & Lucien Nonguet. Rot. Adaptado a partir do romance de Émile Zola.

A descrição da precariedade de uma família mineira a apresenta em situação típica associada ao grupo social, família numerosa, mas também com certa dignidade (não há ninguém vestindo andrajos, existem mais objetos de cena, ilustrando os adereços da casa – inclusive um indefectível quadro religioso na parede – que o habitual em produções da época). As cartelas possuem apresentação típica do estúdio então. Letras garrafais em chamativo vermelho sobre fundo preto. Na cena seguinte, a apresentar a saída para o trabalho do chefe da família, observamos um elaborado trabalho cenográfico, primorosamente realista em contraposição aos pensados por Méliès em seu Viagem à Lua, por mais que facilmente se perceba a tentativa de criar profundidade a partir das telas que a representam, mas das quais se pode observar, inclusive, seu contato com o chão. E o mais incrível é que o filme faz uso do que na época se chamaria de “panorama”, um bravo plano-sequencia no qual o movimento de câmera acompanha o trajeto do homem ao trabalho em meio a várias pessoas exercendo atividades cotidianas (conversando, interagindo com animais, retirando agua de um poço) em uma rico domínio de elementos integrados a se dar conta: atores a agir no exato momento em que a câmera passe em alguns casos, adereços de cena a se mesclarem com os pintados ao fundo. E no meio desta “superprodução”, a chegada dos últimos mineiros a correr representaria o temor de chegar atrasado ao trabalho ou de se interromper a filmagem antes que adentrassem o quadro? Em um cenário no interior da mina, identificado por uma cartela como entrada da mesma, observa-se o fluxo de pessoas a circularem, mineiros e funcionários do negócio, homens, mas também mulheres e crianças, referência bastante associada aos primórdios da Revolução Industrial. Dois homens e um cavalo descem em um elevador aos túneis da mina. Posteriormente um grupo grande de homens fará a mesma operação. Aproximando-se da metade do filme, temos a primeira representação dos túneis da mina e é impressionante o aspecto didático com que se elabora a descrição da mina, que poderia ainda ser atrelado a uma figura específica, a do trabalhador em seu ambiente doméstico e se deslocando ao trabalho, caso houvesse um sistema de decupagem a propiciar sua particularização. Como regra então, uma cartela já anuncia a presença de uma explosão na cena que apresenta os operários trabalhando após uma pausa para o lanche. Sua indicação antecipada faz o espectador ficar atento à imagem, do que outrossim seria apenas uma atividade repetitiva da descrição dos mineiros no cotidiano de trabalho. A mina é invadida por água, e efeitos especiais são utilizados, incluindo o uso de um boneco para repercutir um corpo sendo lançado ao longe pelo impacto da explosão. Bombeiros chegam para resgatar os feridos. Do lado de fora, homens se reúnem apreensivos. Há cenas de cunho bastante próximo do documental, como a que surge três homens e todos eles voltam o seu olhar para a lente da câmera antes de adentrarem um recinto. Segue-se imagens bem mais convencionalmente dramáticas e distanciadas do documental em tudo e por tudo, da retirada de feridos  por um poço. Em um cenário já anteriormente apresentado quando do deslocamento ao trabalho. Familiares se aproximam para observar o resgate.  Enquanto os proprietários da mina cobrem discretamente um cadáver, provavelmente o do homem observado ao início saindo de casa (que não se espere um final circular, com o cadáver do mesmo retornado ao local do início, o que provocaria maior efeito dramático), outro descobre-o e começa a se lamuriar aos brados sobre o mesmo, provocando a aproximação da mulher e filhos. |Pathé Frères. 13 minutos e 8 segundos.



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