Filme do Dia: Vento do Leste (1970), Grupo Dziga Vertov
Vento do Leste (Le Vent
d´Est, França/Itália/Alemanha, 1970). Direção: Grupo Dziga Vertov. Rot.
Original: Sergio Bazzini, Daniel Cohn-Bendit & Jean-Luc Godard. Fotografia:
Mario Vulpiani. Montagem: Jean-Luc Godard & Jean-Pierre Gorin. Figurinos:
Lina Nerli Taviani. Com: Gian Maria Volonté, Anne Wiazemsky, Paolo Pozzesi,
Cristiana Túlio-Altan, Allen Midgett, Daniel Cohn-Bendit, Götz George, Federico
Boido, Marco Ferreri, Gláuber Rocha.
Como o pródigo realizador de uma
forma ensaística única de fazer cinema, Godard é o principal articulador do
Grupo Dziga Vertov, de vida breve, no qual a proposta era se afastar do
conceito burguês de autoria em troca de uma mais coletiva de realização
cinematográfica. Godard faz uma radiografia do cinema e uma associação
intrínseca com os modelos políticos que o geraram – sintetizado nas polaridades
Nixon-Paramount x Brejnev-Mosfilm. Uma terceira via – representada pela breve e
célebre aparição de Glauber Rocha numa encruzilhada – pode ser pensada a partir
do cinema “divino maravilhoso” terceiro-mundista. Porém, Godard não se contenta
apenas com uma crítica de conteúdo – sua narradora que apresenta os tópicos
para se criar um cinema revolucionário – como que esgarça o eixo do cinema
narrativo clássico ou moderno no seu próprio nervo. Em ambos os casos simulando
uma paródia deles através do western,
onde ridiculariza tanto o falseamento da realidade com muita tinta vermelha
jogada sobre os atores quanto com a pretensa poesia de um cinema autoral mais
sofisticado. Ou ainda as boas pretensões de um cinema engajado de feições
humanistas e estética antiquada, quando faz pouco do cinema político de Pontecorvo
& Cia. (utilizando igualmente o ator-fetiche do gênero: Gian-Maria
Volonté); situação que semelhantemente é levada em conta no plano político,
quando europeus tentam doutrinar um individuo do Terceiro Mundo com o marxismo.
Porém, de longe sua seqüência mais inspirada é aquela na qual o cineasta
efetiva com um vigor e poesia dignos de algumas de suas obras-primas tais como O Demônio das Onze Horas (1965) o mais
belo e lúcido/lúdico insulto contra a passividade espectatorial. Dirigindo-se
ao público, o ator a beira de uma cachoeira, numa paisagem idílica, fala tanto
de figuras como uma velha feia sentada em tal fila quanto da bela moça que ele
deseja ardentemente e quer que se junte a ele para sentir o prazer do momento,
antes de proferir seus insultos contra os “babacas” que assistem comodamente a
ele em suas poltronas. Inesquecível momento no qual confluem a crítica política
com a explicitação da distância/contiguidade que separa o espaço/tempo da
filmagem do de sua recepção. Repleto de planos nos quais permanece apenas a voz
da irônica narradora sobre um fundo negro ou vermelho, o filme faz várias
referências ao Brasil, incluindo o então recente sequestro do embaixador
americano Elbrick, da mesma forma que não deixa de adicionar à visão padrão do
horror pela morte de vítimas inocentes do terrorismo, o não menos terrorista
cotidiano dos oprimidos. Anouchka Films/Film Kunst/Polifilm. 100 minutos.
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