Filme do Dia: Aferim! (2015), Radu Jude
Aferim! (Romênia, 2015). Direção: Radu
Jude. Rot.Original: Radu Jude & Florin Lazarescu. Fotografia: Marius
Panduru. Música: Antonie Pantoleon-Petroveanu & Trei Parale. Montagem:
Catalin Cristutiu. Dir. de arte: Augustina Stanciu. Figurinos: Dana Paparuz.
Com: Teodor Corban, Mihai Comanoiu, Toma Cuzin, Alexandru Dabija, Luminita
Gheorghiu, Victor Rebengiuc, Alberto Dinache, Alexandru Bindea.
Constandin (Corban) e seu filho Ionita
(Comanoiu) são delegados à missão de capturar o cigano Carfin (Cuzin), com quem
a senhora (Gheorghiu) de um nobre (Dabija) manteve relações sexuais.
Partindo de um universo que rescende
fortemente a lendas e tradições, assim como registros históricos e com sua
narrativa ambientada no século XIX, Jude faz uso constante, já desde a
sequência inicial, de planos demasiado abertos em que se escuta com proximidade
os diálogos, assim como de uma esplendorosa fotografia em p&b e uma ideia
de fluxo quase incessante, acentuado por panorâmicas que acompanham a dupla
protagonista, para construir um universo um tanto bárbaro e rude, cuja uma das
poucas exceções se dá justamente quando da apresentação de um teatro de
bonecos, que encanta tanto a captores quanto a capturados, provocando uma breve
suspensão dos códigos morais. Ou, melhor dizendo, trata-se de uma explicitação
de algo que vai ganhando corpo internamente, quando os próprios captores se
tornam crescentemente apiedados de sua presa. Divididos entre a função a
cumprir e um desejo que o rapaz, ao final de contas, venha a ser absolvido,
Constandin tenta interceder por ele até o último momento. Observa-se desde bem
antes um evidente descolamento entre sua função social e o que sente na
intimidade, fazendo com que se perceba os sentimentos do que antes fora notado,
em sua exterioridade, somente em sua rudeza em termos de ação e linguajar,
mesmo sem descambar para o sentimentalismo. São fundamentais para a construção
atmosférica do universo recriado os figurinos ou a ausência desses (as crianças
ciganas habitualmente andam nuas) e uma profunda aderência ao ponto de vista
dos heróis, seguindo o filme praticamente do início ao final sua localização
espacial, estratégia que, vinculada à duração algo prolongada de certos planos,
remete a provável influência de um realizador como Jancsó. Nunca será supérfluo
se ressaltar uma fotografia que explora a luminosidade da floresta de forma
quase mítica, porém destituída da grandiloquência dos filmes expressionistas
alemães tais como Os Nibelungos de
Lang. Os halos de luz ou a pequenez da figura humana diante da grandiosidade de
seu entorno parecem reforçar antes, pelo contrário, a mesquinhez e inocuidade
dos desejos e ambições humanas. E talvez essa seja justamente a força maior do
filme. A beleza com que descreve as ações de seus personagens não o torna
subserviente a uma tradição que o filme não poupa em apresentar em toda a sua
crueldade, repleta de preconceitos e generalizações, como no discurso de um
padre que a dupla encontra pelo caminho, quase como apontando para a
continuidade dos mesmos no momento contemporâneo ao que o filme foi produzido. Prêmio de direção em Berlim. HI Film Prod.-Klas Film-Endorfilm-EZ Films. 108 minutos.
Comentários
Postar um comentário