Filme do Dia: Jane Eyre (1943), Robert Stevenson
Jane Eyre (EUA, 1943). Direção: Robert
Stevenson. Rot. Adaptado: Aldous Huxley, Robert Stevenson & John Houseman, a partir do romance de Charlotte Brontë.
Fotografia: George Barnes. Música: Bernard Hermann. Montagem: Walter Thompson.
Dir. de arte: William L. Pereira, James Basevi & Wiard Ihnen. Cenografia:
Thomas Little. Figurinos: René Hubert. Com: Orson Welles, Joan Fontaine, Margaret O’Brien,
Peggy Ann Garner, John Sutton, Sara Allgood, Henry Daniell, Agnes Moorehead,
Aubrey Mather, Edith Barrett, Barbara Everest, Hillary Brooke, Elizabeth
Taylor.
Jane Eyre (Garner) é uma garota órfã
que a tia (Moorehead) prefere ver afastada em uma escola de rígidos princípios
de conduta, comandada pelo tirano Sr.Brocklhurst (Daniell). Jane permanece dez
anos na escola, inclusive testemunhando muito de perto a morte de sua melhor
amiga, Helen Burns (Taylor). Já moça crescida, Jane (Fontaine) aceita um dos
convites que lhe chegam, e torna-se preceptora de Adele (O’Brien), filha de
Edmund Rochester (Welles) e governanta do do castelo dele. Esse se encontra em
vias de se casar com Lady Ingraham (Everest), mas começa cada vez mais a se
sentir atraído por Jane. Após forjar uma situação desagradável para afastar
Lady Ingraham, Rochester investe no casamento com Jane, interrompido no seu
justo momento, pela acusação dele já se encontrar casado, sendo ela a mulher
misteriosa e louca que vive trancada em uma ala do castelo. Com o segredo
revelado, Jane parte por rumos incertos, voltando a casa em que saíra quando
pequena, sendo recepcionada pela empregada, Bessie (Allgood) e testemunhando
sua tia moribunda. Jane escuta como um chamado dos céus e vai até o castelo,
encontrando-o em ruínas e um Edmund Rochester ainda imponente, porém cego.
É de se adivinhar, antes de qualquer
cena, que Agnes Moorehead encarnaria a personagem da tia malévola. O trato
visual é evocativo parcialmente da célebre produção de Welles de dois anos
antes, Cidadão Kane, podendo ser
comprovada praticamente sua influência sobre os aspectos visuais, inclusive em
produções de outros realizadores e sem contar com a colaboração do cinegrafista
de Kane, Greg Tolland. É o caso dos
planos filmados com câmera baixa, que criam uma sensação paranoica de austeridade
excessiva e rigidez amedrontadora, como se observados pelos olhos da criança, e
que também ocasionalmente deixam visíveis os tetos. Ou ainda os planos em
perspectiva que destacam tanto um personagem demasiado próximo da câmera
(geralmente a própria Eyre/Fontaine) e outros mais distantes, evocativos da
obra-prima de Welles, mesmo que sem a mesma acuidade de foco para com todos os
elementos enquadrados daquela. Desnecessário dizer que o padrão visual como um
todo e as interpretações se encontram a anos-luz de distância da versão
dirigida por Christy Cabanne, nove anos antes. Em alguns momentos, de forma
demasiado evidente, como é o caso do jogo de luzes que tira partido, algo
sinistramente, da arquitetura do orfanato em que Jane vai morar, repleta de
escadas e colunas. Ou ainda um dos céus mais ameaçadoramente plúmbeos da
história do cinema, contrapostos em sua grandiosidade e peso à pequena
carruagem que se aproxima da mansão dos Rochester. O uso da trilha musical
também é mais tipicamente dramático e colaboradores luminares se encontram por
trás das câmeras como o próprio Hermann, associado sobretudo aos filmes de
Hitchcock e o escritor Aldous Huxley. Mais fiel ao romance , como se apressa em
identificar, em sua primeiro contato com Jane, já como patrão e empregada, Edmund Rochester é bem arrogante, algo que
cai como uma luva para Welles, e ausente na versão de 1934, mesmo que também a
passagem deixe claro que se trata de uma “máscara” através da qual se esconde a
“verdadeira personalidade” dele. Curiosamente, aos valores de produção e
interpretações inequivocamente mais talentosas se une uma dimensão igualmente
mais marcadamente teatral na caracterização/caricaturização dos personagens um
tanto dickensiana. E, igualmente, seu luxo se faz sentir até nos figurinos
utilizados pela Eyre governanta, bem menos díspares com relação às mulheres da
aristocracia que os da versão de Cabanne, demarcando mais nitidamente as
diferenças e o constrangimento dela se encontrar em meio ao baile.
Diferentemente da versão anterior, o filme detalha em bem maior número as
crueldades e vicissitudes sofridas por Eyre ainda criança, sobretudo a noite de
sono em que a garota, ao dormir com a amiga Helen Burns - vivida por uma
facilmente reconhecível, mesmo tão jovem Elizabeth Taylor, em participação
relativamente extensa, mas não creditada - amanhece ao lado de um cadáver.
Destaques para a interpretação afiada de Peggy Ann Garner, como a Jane criança,
presente no filme nos seus primeiros vinte minutos, e de expressividade mais
intensa que a máscara facial constantemente abobalhada de Fontaine; por outro
lado, é no mínimo inusitada a escolha de Welles, com toda sua carga emocional
algo distanciada e cínica e seu jeito demasiado estudado, para viver um herói
romântico, sendo que todo um trabalho foi efetivado para ele se tornar mais
escuro do que de fato é, sendo quase uma antecipação da encarnação posterior
que fará do Mouro de Veneza em Othello
(1951). O ressentimento da personagem de Eyre, se aqui ainda se pode falar de
algo do tipo, surge muito mais
introjetado que na versão anterior, quando observa de longe o que ocorre e não
explicitado verbalmente como naquela. Em nenhum momento, por exemplo, Eyre e
Lady Ingraham trocam qualquer conversação, sendo que aqui, tal como a própria
produção, Rochester parece alçado a uma condição monetária bem mais destacada
que no filme anterior, possuindo um verdadeiro exército de criadas. Twentieth Century Fox
Film Corp. 97 minutos.
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