Filme do Dia: Another Day of Life (2018), Raúl de la Fuente & Damian Nenow

 



Another Day of Life (Espanha/Polônia/Bélgica/Alemanha/França/Hungria, 2018). Direção: Raúl de la Fuente & Damian Nenow. Rot. Adaptado: Raúl de la Fuente, Amaia Remirez, Niall Johnson, David Weber & Demian Nenow, a partir do livro Ryszard Kapucisnki. Fotografia: Raúl de la Fuente & Gorka Gómez Andreu. Música: Mikel Salas. Montagem: Raúl de la Fuente. Dir. de arte: Rafal Wojtunik.

O repórter polônes Ryszard, logo batizado de Ricardo pelos angolanos, encontra-se em uma Luanda caótica, com todos os portugueses abandonando o país e levando seus pertences. Ricardo conhece o jornalista português Artur, que topa a aventura mais que arriscada de partir rumo ao sul, de encontro ao líder revolucionário Barrusco, contra tudo e todos. Na estrada, testemunham dezenas de cadáveres e por pouco não são mortos pelos soldados da UNITA, que apoiados pela África do Sul e Estados Unidos, pretendem interromper as ações da MPLA. Uma soldada dessa, Carlota, salva a vida dos dois. Artur decide retornar a capital. Carlota fica próxima de Ricardo, mas logo o despacha de volta em uma ação perigosa que resultará na morte dela e outros combatentes. Mesmo extremamente abalado, Ricardo decide ir adiante com o projeto de encontrar Barrusco. E o encontra na semi-destruída hospedaria Cisne Preto, onde resiste com apenas 50 combatentes a chegada iminente de forças bancadas pela CIA da África do Sul, há apenas 100 quilômetros de onde se encontram.

Seguindo os passos do pioneiro Valsa com Bashir, esta animação também bebe em relatos verídicos para transmuta-los em imagens animadas realistas, como aquele, embora desde as primeiras dezenas de minutos as distinções também já se tornem visíveis. É o caso dos traços, mais limitados e mecânicos, mas sobretudo de outra dependência que lhe causa mal pior, a da própria figura histórica de seu narrador, sempre emergindo ocasionalmente em inserções de ação ao vivo, que não nos fazem deixar imergir de fato na animação e nos provoca o gosto dela ser aparentemente mera ilustração para as memórias desse homem. Isso não impede que, dentro desse esquadro, o filme se desenvolva dramaticamente e com achados ocasionais interessantes, e nada distantes de um cinema de ação ao vivo similar, como o que sintetiza os variados moribundos que pediam para ser fotografados, para que ficasse registrado algo de suas vidas que se encerravam. Ou quando “Ricardo” tira uma foto de Carlota e essa é substituída pela foto real ao qual a animação faz menção e que, evidentemente, ganha um contexto completamente distinto do que se tivesse sido visada dentro de um documentário convencional. E também com efeito distinto das fotos que surgem nos créditos finais de ficções que biografam figuras do mundo histórico concreto.  E  se imagina que Carlota não tenha sobrevivido à guerra, pois ela não surge dentre os depoentes. E surpresas interessantes, como se despacha o primeiro narrador do filme e se indaga se o foco narrativo se voltará agora para o próprio repórter polonês em que o filme se baseia sua narrativa, mas o primeiro português é sucedido por um segundo. Quando se afirma que aparentemente se tem a impressão que a animação servirá como ilustração do que se observa dos depoentes em ação ao vivo, trata-se de uma sensação que fica mais difusa ao filme findo, pois consiste antes de uma retro-alimentação paralela. E apesar de ficar colado aos testemunhos dos depoentes o filme não abre mão de seu diálogo com protocolos dos filmes de gênero. Isso vale tanto para o ambiente em que é retratado o hotel onde se encontram os jornalistas ao princípio, com ventiladores girando com vagar no teto e uma sensação de cinismo que cheira ao noir ou na aventura quase suicida que faz Ryszard ir até Barrusco, ultrapassando uma barreira de atiradores, com o carro derrapando e toda a artilharia que é utilizada contra os dois que se encontram no automóvel sendo observada, como antes fora o ataque no qual somente o polonês não morreu por intervenção de Carlota, no melhor estilo dos filmes de ação. Embora a animação se detenha nesse momento da luta pela emancipação nacional, não deixa também de trazer a decepção pós-utópica, que igualmente se encontra presente em boa parte da produção ficcional de outro país também colonizado por Portugal, de várias semelhanças históricas, Moçambique (Kuxa Kanema, Yvone Kane, Virgem Margarida), que surge na fala de Artur sobre o país do momento dessa produção. E uma imagem de um navio encalhado (como em Terra Estrangeira) seria a alegoria desse fracasso. E o navio se chama Karl Marx. Levou dez anos para ser realizado. Platige Image/Kanaki Films/Puppetworks Animation Studio/Animationsfabrik/Umedia/Walking the Dog/Wüste Film/Arena Comunicación. 85 minutos.

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