Filme do Dia: La Tía Tula (1964), Miguel Picazo
La Tía Tula (Espanha, 1964). Direção: Miguel Picazo. Rot. Adaptado: José Miguel Hernán, Miguel López Yubero, Miguel Picazo & Luis S. Enciso, a partir do romance de Miguel de Unamuno. Fotografia: Juan Julio Baena. Música: António Pérez Olea. Montagem: Pedro del Rey. Cenografia: Luis Argüello. Com: Aurora Bautista, Carlos Estrada, Irene Gutiérrez Caba, Enriqueta Carballeira, Carlos Sánchez Jiménez, Mari Lolo Cobos, Chiro Bermejo, José Maria Prada, Paul Ellis.
Tula
(Bautista) assume o lugar de mãe das crianças Ramirín (Jiménez) e Tulita
(Cobos), quando sua irmã morre e deixa viúvo Ramiro (Estrada), que logo se
sente atraído pela nora. Extremamente devota da igreja, Tula rejeita
sistematicamente os avanços de Ramiro, como já rejeitara os de um pretendente
seu na cidade, Emilio (Bermejo). Sua postura fleumática apenas se vê abalada
quando na noite que retorna de uma despedida de solteira, fica sabendo que
Ramiro engravidou uma jovem prima sua, Juanita (Carballeira), das férias
passadas na propriedade de um tio (Ellis), pedindo transferência de seu
emprego. Na estação a maior comoção fica na seperação de Tula das duas
crianças.
Mesmo
que seja formalmente menos arrojado que alguns expoentes do cinema novo do país
vizinho (como Domingo à Tarde, de
António de Macedo, de 1966), e mais próximo das facilidades do romanesco,
trata-se de uma obra de expressiva sintonia entre o seu estilo (no qual se
destaca a esplendorosamente contida fotografia em p&b de Baena) e suas
interpretações. Sua descrição do patriarcalismo naturalizado e profundamente
enraizado nas relações sociais assoma tanto na diferenciação de tratamentos
dispensados à menina e ao menino quanto, e mais empedernidamente, na aura de
sexo presente em quase que todos os gestos e alusões. Picazo parece seguir a
trilha de Buñuel, de quem batizaria um filme tempos depois em evidente alusão a
outro, dirigido na mesma época por esse (Los
Claros Motivos del Deseo). À figura de Tula, ao mesmo tempo que se adéqua
aos códigos desse patriarcalismo, em sua carolice aparentemente assexuada,
rebela-se contra algumas das diretrizes do mesmo, incluindo a voz “autorizada”
do padre, ao negar se casar com o cunhado. Picazo guarda alguns momentos de
lirismo, para aqueles que rompem com o espaço doméstico, no qual boa parte da
história se desenrola, como o da visita de pai e filho ao túmulo da esposa/mãe
ou, mais intensamente, o momento epifânico vivido por Tula nos jardins em que
brincara na infância. Nesse sentido, sua elaboração das relações familiares é
uma versão mais convencionalmente pudica e pequeno-burguesa da explorada por
Bertolucci em seu Antes da Revolução.
Uma sequência um tanto à parte, da investida não bem-sucedida de Ramiro em
busca de sexo, poderia antecipar algo similar em filme posterior de Pasolini,
envolvendo twist, embora no filme de Pasolini
(Gaviões e Passarinhos) seja uma situação homossocial, enquanto aqui
demonstra o abismo que existe entre a forma de vestir e a postura empertigada e
tensa de Ramiro e os jovens a se divertir com a música, como os de Pasolini já
tocados pelos ecos da revolução de costumes e da influência norte-americana.
Ramiro, pelo contrário, incapaz de dar vazão aos seus desejos, após a
acomodatícia vida de casado, literalmente estupra a garota com quem
casará. Ao final, o filme flerta com uma
ambiguidade, que abre espaço para uma percepção outra de Tula (será de fato ela
a mãe das crianças?), ainda que sob o risco de pôr a perder o que foi
construído até então, a não ser que observado pelo prisma da culpa de Tula após
a morte da irmã – de quem não somos informados do motivo. O relativo afastamento
de todos os dramas apresentados, já presente na cena inicial da garota
carregando a coroa de flores para o funeral da irmã de Tula, favorece bastante
o filme. Eco-Surco. 109 minutos.
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