Filme do Dia: Charlie Chaplin, o Gênio da Liberdade (2020), Yves Jeuland
Charlie Chaplin, o Gênio da Liberdade
(Charlie Chaplin, le Génie de la Liberté, França, 2020). DireçãoYves
Jeuland. Rot. Original François Aymé, Yves Jeuland & Aude Vassallo.
Montagem Sylvie Bourget.
Embarca sem reservas numa recuperação
de uma apologia a Chaplin. E o faz, talvez apropriadamente, no formato
documental mais convencional possível: voz over (por Mathieu Amalric) e imagens
de seus filmes de todos os períodos, com inicialmente algumas raras imagens
documentais do próprio Chaplin (como o que, já idoso, revisita os arrabaldes
pobres de sua infância, sendo observado com curiosidade pelas crianças de
então). Com o passar do documentário, tais registros documentais, como se
imaginava, tornam-se mais frequentes, como os que ele surge, ao lado de Douglas
Fairbanks e Mary Pickford, a incentivar a campanha para os bônus da I Guerra
Mundial, pouco depois das críticas sofridas por seu não engajamento ao exército
britânico, que o deixam magoado. O fio que sustenta o velo de ouro que
representa Chaplin, segundo o documentário, é seu humanismo universal.
Representado nas declarações do próprio Chaplin de que sempre faria um cinema
popular ou presente no seu curta mais amado, O Imigrante. No tempo de
sua parceria, não apenas nas telas, com Edna Purviance (de quem o documentário
apresenta raras imagens de um teste comandado por Chaplin, que a fez iniciar na
carreira). Imagina-se como o filme lidará com o sentimentalismo excessivo do
realizador, ao que apenas comenta que, ao contrário de seus primeiros curtas
sob as mãos de Sennett, falta a “ternura”. Ou os escândalos sexuais, como o de
seu envolvimento e a gravidez com uma garota de menor, Lita Grey, que de
aspirante a estrela do filme, passa a ter uma pequena ponta como extra, quando
sua gravidez começa a emergir. O narrador prefere sublinhar a moralidade
norte-americana (o que talvez seja um comentário que se possa estender ao
momento em que esse documentário vem a ser produzido?) do que os problemas
legais aí embutidos, já que uma lei na Califórnia proíbe o envolvimento sexual
com menores de idade (como décadas depois descobrirá igualmente Roman Polanski). Imagens apresentam a montagem das gigantescas letras HOLLYWOODLAND
na colina que, após certo tempo perderão as quatro finais. E há ainda uma
postura demasiada partidária em ficar de lado do humorista, por exemplo, no
desafio para a transição ao som, observando sua genial chacota em relação a
pobre qualidade da sonorização inicial de Luzes da Cidade, como meramente
uma resposta a seus críticos, incluindo Al Jolson, que havia protagonizado o
filme que se convencionou chamar de primeiro sonoro, e não um inevitável
desafio que terá que se defrontar, como Jolson cravara. E não deixa de ser
interessante se saber que Chaplin, tal como Eisenstein, teve seu final de
semana (no caso dele mais breve, mas ainda assim longo, de dezesseis meses)
prolongado, em viagens pelo mundo. E numa mundanidade e bajulação que não teria
como resistir, indo de Bernard Shaw a Marlene Dietrich, de Churchill a Gandhi,
sem deixar de lado a nota melancólica de uma visita ao orfanato que um dia
viveu, e que acha muito próximo do que era. Outras imagens amadoras
excepcionais são os flagrantes da montagem do cenário que reconstitui o gueto
judeu de O Grande Ditador filmadas por Sidney Chaplin, irmão do
realizador e tendo ao fundo uma movimentada Sunset Boulevard. E o comentário
que faz ao assistir ao material filmado de Hitler quando se preparava para o
papel é um tanto original (“esse filho da puta é um dos maiores atores que já
vi”). E as imagens a cores do filme não se resumem a descrição dos cenários,
mas incluem uma própria cena, filmada de um ângulo evidentemente distinto da
que vemos no filme, quando o barbeiro de Chaplin é confrontado com nazistas,
após ter sua barbearia indicada como sendo de um proprietário judeu –
propaganda nazista (O Judeu Eterno) já havia se referido a Chaplin, que
nascera no mesmo ano e mês de Hitler, como judeu, o que não era, indignado com
a popularidade do mesmo em sua visita a Berlim em 1931. Sobre o discurso final
do filme, que explicita de forma nada sutil (e pior, sem humor) seu tom
panfletário, o documentário afirma que é consequência do peso crescente das
notícias que chegam da Europa, com a invasão de Paris tendo ocorrido na véspera
de sua filmagem, enquanto a célebre cena do enamoramento do ditador por uma
representação sob forma de balão do globo terrestre, tem como base uma
brincadeira recorrente de duas décadas antes, também trazida em imagens
amadoras. Poder-se-ia se indagar cinicamente se Chaplin apenas percebeu toda a
hipocrisia moral e religiosa norte-americana, que declara em seu retorno à
Europa, após ter ficado à margem da indústria depois dos processos que lhe
imputaram na Comissão de Atividades Anti-Americanas – seu Um Rei em NovaYork se tornará uma triste constatação desse ressentimento. E, quando de
seu único retorno aos Estados Unidos desde vinte anos antes, para receber um
Oscar honorário, há imagens amadoras de uma recepção em sua homenagem na qual é
flagrado ao lado do velho amigo Groucho Marx. E o filme se move na mesma chave
sentimental do realizador do início ao final, fechando com a inesperada reação
de ovação de Chaplin ao receber seu Oscar honorário, quando se encontrava
temoroso por não saber como a plateia reagiria. E não tem como não observar que
o momento em que isso se dá é um contraponto a Hollywood dos primórdios que
Chaplin ajudou a instituir, com imagens documentais que trazem o letreiro
icônico que nomeia sua identificação com o cinema, ainda em construção na
imagem anterior, completamente deteriorado. E, numa das poucas concessões não
laudatórias ao longo de todo o documentário, constata que de progressista o
cineasta se transformara em conservador à época da produção de seu último filme. Produzido para a TV. Kuiv Prod./Lobster Films
para Lobster Films. 145 minutos.
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