O Dicionário Biográfico de Cinema#118: Mae West

 


Mae West (1893-1980), n. Brooklyn, Nova York

Nunca teria sido provável que uma gorda de quarenta anos, proveniente do vaudeville, pudesse ser a base para filmes. De fato, Mae West fez muitos poucos filmes - nove nos anos 30, um retorno indistinto em 1943 e, contra todas as expectativas, com a idade de 78, o terrível Myra Breckinridge [Homem e Mulher Até Certo Ponto] (70, Mike Sarne). Ironicamente, o romance de Gore Vidal foi o material mais rico que jamais teve, uma visão do extremismo sexual e confusão moral tão engenhosa quanto a sua própria. Mas o filme requeria um cruzamento entre Luis Buñuel e Russ Meyer, e foi arruinado pela inépcia da direção e nervosismo do estúdio. 

Mae West emergiu intacta. Não importava quem dirigisse seus filmes. Ela parecia uma versão levemente borrada de seu antigo self, mas a voz permanecia imutável - nos anos 60 realizou um álbum de pop moderno, cantando "Day Tripper" dos Beatles, como uma Billie Holliday que houvesse sobrevivido. Mais importante, o retorno capitalizou em uma reputação que vem crescendo constantemente, com o revival de seus velhos filmes. Mae West é uma das mais sutis influenciadoras e misteriosas das superestrelas. Aqueles que discerniam em Marilyn Monroe fosse a inclinação ou a habilidade para satirizar sua própria sexualidade podem nunca ter visto a grande Mae ou seguraram uma uva com casca e se indagaram. 

Seus filmes são sobre insinuações, piadas particulares que deslizam por cada defesa institucional da pudicícia, para provocar tesão em um público tímido. Nenhuma outra estrela maior conheceu tal contentamento e uma Arcádia tão libidinosa. Poucas deusas do sexo se envolveram em tantos metros dee vestidos; mas nenhuma falou tão ternamente do prazer sexual e foi tão resplandecentemente um monumento a ele. Mae West era baixa - algumas de suas insinuações eram nitidamente provocativas - mas era uma dama. O próprio sexo permanece privado em seu mundo, algo a ser conhecido, mais que descrito. A discussão de sua satisfação e, mais importante, a fé persistente que pode ser vista e lida em todas estas coisas, mostram o quanto foi uma filósofa: a real conclusão de sua obra é que o sexo é uma ideia, uma obsessão para o ser humano, e uma das distrações mais seguras de uma ideia igualmente potente que a vida é trágica. Uma de suas grandes frases é "não é o homem em minha vida, mas a vida em meu homem" - uma epígrafe digna de Oscar Wilde e sublinhando seu senso de 1890-1910. Tal destreza verbal, e a disposição rumo a inversão de ideias aceitas demonstram o quão longe queria repreender atitudes relacionadas ao sexo, depreciando reputações sexuais, ao mesmo tempo que as provocava: "Quando sou boa, sou muito boa, quando sou má, sou melhor ainda."

Extraordinária como essa personalidade artística, e apesar de estar baseada no controle de roteiros e escritas de seus próprios diálogos, sua originalidade e impacto é tanto verbal quanto visual. Foi uma cornucópia de formas rococós - o contorno da aba de um chapéu de brim; a espuma de cachos; o ondulante boá de penas; as lantejoula girando em seu vestido; e esse corpo - arabescos acolchoados, um chaise-longue, uma cama no qual o rosto do gato de Chesire parecia sempre aninhada. Era fisicamente um encouraçado, mas emocionalmente delicada: como resultado se movia lentamente. Os filmes possuem um ritmo estável que se impõe a todos os intérpretes. Acelere e você parece nervoso; demore e o efeito é ponderação. E, na verdade, intrigue um público, e depois pause, e serão seus para sempre. Toda grande estrela atuava de acordo com este preceito. Mas Mae West fez do langor virtualmente a linha do enredo de seus filmes. As histórias não eram mais que controversias acumuladas por suas eventuais aparições; a câmera babou sobre o rolo de seu marinheiro; cenas de diálogo existiam para que se gabasse de serem arrastadas e para esses momentos de reflexão, nos quais a antecipação do encontro sexual se mistura com a rememoração dos recentemente concluídos. Ela possui  tal noção de tempo, que se podia perceber um modo de vida inteiro - e ela estava satisfeita com ele. A censura podia cortar seus diálogos, mas não podia alterar o modo como avaliava um homem. Sortudo foi Cary Grant, que contracenou com ela duas vezes quando jovem. 

A carreira foi tão notável quanto a personalidade. Foi para os palcos quando criança e pela época da I Guerra Mundial era uma intéprete destacada do vaudeville, com habilidade especial para personificações. Durante os anos 20, alcançou uma proeminência única: como cantora, mais que preguiçosa dançarina, e autora de suas próprias peças. As mais notórias dessas foram Sex, The Drag, Diamond Lil e The Pleasure Man. Uma sucessão de batalhas legais refletiam a descompromissada celebração sexual desses espetáculos. Em 1932, aceitou uma oferta da Paramount e apareceu com George Raft em Night After Night [Noite Após Noite] (Archie Mayo).

Foi um sucesso fenomenal e então fez She Done Him Wrong [Uma Loira para Três] (33, Lowell Shereman), baseado em Diamond Lil, e I'm No Angel [Santa Não Sou] (33, Wesley Ruggles). Seu filme seguinte, Belle of the Nineties [Uma Dama do Outro Mundo] (34, Leo McCarey), sofreu um pouco da censura e anunciava as tentativas do Código de Produção de Filmes e da Liga da Decência de reduzir a sugestividade. No episódio, foi prejudicada por restrições e seus filmes subsequentes carecem da intimidade sufocante de uma orgia que se iniciava tão prontamente quanto a câmera cessava. Foi um acidente sério da decisão dos estúdios de perseguir a saúde das massas, e seus filmes posteriores possuem momentos de banalidade, quando é feito ela dizer sentimentos burgueses tais como "Toda vez que você toma a religião como piada, você ri de si mesmo": Going to Town [Senhora da Alta Roda] (35, Alexander Hall); Klondike Annie [A Sereia do Alaska] (36, Raoul Walsh); Go West Young Man [Amores de uma Diva] (36, Henry Hathaway); Every Day's a Holiday [A Vida é uma Festa] (37, Edward Sutherland); o desapontador par com W.C. Fields em My Little Chickadee [Minha Dengosa] (39, Edward Cline).

Fez mais um filme, The Heat's On [Sedução Tropical] (43, Gregory Ratoff), e então sobreveio a guerra, segura de que cada marinheiro que bebesse pensaria nela, não importando que mantivesse a subnutrida Betty Grable em seu armário. Sexo no cinema é frequentemente relacionado com a ansidedade do público. Os musicais da Warner dos anos 30 ofereciam damas para se manter o bem estar e os jovens soldados mantinham as pin-ups louras. Mas as garotas tinham que ser modestamente desejáveis, caso os soldados desertassem. E a depressão dos anos 30 não podia tolerar a forma convincente que Mae West falava de satisfação e paraíso. Esse é um domínio bastante privado, somente plenamente admitido nos filmes de família de Andy Warhol. O sexo nos filmes é retido, não importa o quão anunciado seja. Nessa conexão, poder-se-ia lembrar o veredito de George Jean Nathan que viu uma foto de uma revista de cinema de West como Estátua da Liberdade e reintitulada, a Estátua da Libido. Mae West olha para nós como se dissesse que dois são um, a liberdade pode ser sua tanto quanto o deleite de uma gorda de meia-idade. 

Em 1978, apareceu uma vez mais após Homem e Mulher Até Certo Ponto, em Sextette [Sextette - A Grande Estrela] (Ken Hughes).

Texto: Thomson, David. The New Biopgraphical Dictionary of Film. Nova York: Alfred A. Knopf, 2014, pp. 2821-23. 

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