Filme do Dia: A Entrevista (1966), Helena Solberg
A Entrevista (Brasil, 1966). Direção:
Helena Solberg. Rot. Original: Mário Carneiro, a partir do argumento de
Solberg. Fotografia: Mário Carneiro.
Montagem: Rogério Sganzerla.
Documentário de uma figura ímpar no
cenário e época em que foi produzido. Primeiro, por ser mulher em um grupo praticamente
de exclusividade masculina, do Cinema Novo. Depois, por apresentar uma temática
sensível às questões de gênero, que só entrariam de fato na pauta internacional
no pós-68. E não apenas de gênero, mas do gênereo feminino. Por fim, ao se
defrontar com um similar de classe social da realizadora e não com o outro
popular que, via de regra, era o comum de seus colegas homens (uma exceção até
enão sendo O Desafio), em ambiente
comum e partilhado pela própria realizadora. Por conta desse seu pioneirismo
teve que se adequar esteticamente ao que era possível no momento. Assim, a voz
over dominante é a das mulheres que concordaram em ser entrevistas, mas não a
expor sua imagem e identificação, quando das entrevistas, há não ser uma que o
documentário segue praticamente do início ao final, e que surge próxima desse
último, sentada no sofá e segurando o microfone, como era prática comum nos
primeiros anos do uso da gravação em som direto. Uma cartela inical adverte que
a seleção sonora – bastante seletiva aparentemente – foi efetivada a partir de
70 entrevistas “gravadas com moças de 19 a 27 anos de idade, pertencentes a um
mesmo grupo social”. As falas selecionadas giram sobretudo em termos de sexo,
de sua prática ou não antes do casamento, ouvindo-se desde aquela que acredita
que a mulher deve se resguardar do protagonismo para, inclusive, não ameaçar
ofuscar o homem até, no outro extremo, a que acredita que a virgindade não é
algo importante, e que a traição pode implicar coisas muito mais importantes
que o ato carnal, passando pela protagonista, que em teoria aceita o sexo como
forma de conhecimento prévia ao casamento, mas que prefere casar virgem. Ou
ainda a que afirma com sinceridade que a maior frustração de sua vida seria se
não tivesse sido casada e toma a liberdade de acreditar que o mesmo vale para
todas as mulheres e que mente quem diz o contrário. Nas imagens, que surgem
algo como secundárias diante do áudio, observamos o cotidiano da protagonista a
sair com sua roupa de banho à praia, escolher qual calçado utilizar, passar por
uma sessão de maquiagem, testar o vestido de noiva e depois ser observada no
dia da cerimônia. Distinto do padrão visual do filme em sua parte são seu
início (com fotos aparentemente das entrevistadas quando crianças) e final, com
fotos e áudios que dão conta da Marcha da Família com Deus pela Liberdade e do
golpe militar, eufemizado como “novo governo”. E é sintomático que nesse
momento único em que o documentário escapa das falas sobre os universos
afetivos de suas entrevistas e aborde a situação social mais ampla, a locução
over passe a ser masculina. É essa voz over, acompanhada de áudios e fotos de
arquivo, que se intercalam ou mesmo se sobrepõem sobre o depoimento em som
síncrono da única garota filmada sendo entrevistada. CAIC. 19 minutos.
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