Filme do Dia: Rua sem Alegria (1925), G.W. Pabst
Rua sem Alegria (Die Freudlose Gasse, Alemanha, 1925). Direção: G.W. Pabst. Rot.
Adaptado: Willy Haas, baseado no romance de Hugo Bettauer. Fotografia: Robert
Lach, Curt Oertel & Guido Seeber. Montagem: Anatole Litvak & Marc
Sorkin. Dir. de arte: Otto Erdmann & Hans Sohnle. Com: Greta Garbo, Jaro
Fürth, Asta Nielsen, Henry Stuart, Einar Hanson, Valeska Gert, Tamara Geva,
Werner Krauss, Loni Nest, Karl Etlinger, Edna Markstein.
Na mal afamada Rua Melchior, uma
classe média tornada miserável, por conta da crise econômica que assola a
Áustria após a I Guerra Mundial, implora carne ao sádico açougueiro local
(Krauss). Entre a multidão, encontra-se Maria Lechner (Nielsen), que se torna
prostituta de luxo do milionário inescrupuloso
Max Rosenow (Etlinger), embora fosse apaixonada pelo jovem Egon Stirner
(Stuart). E também a filha de Hofrat (Fürth), um respeitado homem levado à
ruína, Greta (Garbo). Maria assassina a socialite Lia Leid (Geva), quanto a
flagra em um encontro clandestino com Egon, no quarto ao lado do bordel da Sra.
Merkel (Markstein). Hofrat aposta no mercado financeiro e acredita que os
tempos de pobreza acabaram. Praticimante ordena a filha que troque seu puído
casaco por um de luxo. Porém, sua sorte durará pouco, logo perdendo tudo que
investira em ações. A família passa a alugar um cômodo para o filantropo
militar americano Davis (Hanson), que imediatamente se sente atraído por Greta.
Porém os escrúpulos do pai quando um militar amigo de Davis afirma que vira sua
filha mais nova, Rosa (Nest), roubando enlatados em uma loja, faz com que ele
ordene que Davis abandone sua casa. Enquanto isso Maria Lechner resolve acusar
Egon pelo crime de Lia. Greta decide ir uma segunda vez na Sra. Merkel e é
flagrada por Davis, que lá se encontra com seus amigos. Davis a humilha e
pergunta onde se encontra o dinheiro que ele havia lhe dado pelo aluguel.
Porém, Hofrat, ao saber de sua dívida quitada com o banco, vai imediatamente a
casa da Sra. Merkel, e Davis descobre que Greta não era a mulher inconseqüente
que imaginara. Uma crise de arrependimento faz com que Maria vá à polícia e
fale a verdade sobre o crime de Lia, inocentando Egon.
Por mais que se possa criticá-lo por
seu moralismo superficial e sua costura por vezes precária das duas narrativas
que se sucedem ao mesmo tempo – sobretudo o subenredo de Maria – esse admirável
melodrama de Pabst consegue traçar um vibrante e até hoje impactante retrato de
alguns sentimentos básicos – amor, ciúme, inveja, ausência. Dito isso, deve-se
destacar o maniqueísmo com que Pabst contrapõe uma rica e promíscua elite com a
pobreza dos que não possuem nem o que comer (bastante evocativa dos melodramas
de Griffith, como O Preço do Trigo),
principalmente quando efetiva uma montagem que alterna a orgia da casa da Sra.
Merkel com os sem carne que fazem fila e passam madrugada apenas para escutarem
que não vão levar nada do inescrupoloso açougueiro, vivido com brilho por um
sempre mutante Werner Krauss. Ou ainda quando, como no filme de Griffith,
apresenta as vis especulações em torno da figura hedionda de Max Rosenow com a
própria miséria alheia provocada pela depressão econômica e inflação crescente.
Tampouco se pode esquecer a hipocrisia chauvinista de um Davis, que decide
abandonar qualquer ilusão quando encontra Greta no mesmo ambiente que
freqüenta. A mesma dupla moral que permite que o outro mocinho, Egon, mantenha
um caso com uma fútil mulher casada, enquanto a mulher que o ama acaba tendo
que se prostituir, pois parece não existir meio termo entre santa ou prostituta
na representação de mulher aqui destacada. Sua Greta antecipa algo do
personagem-título de Lola (1981),
sobretudo na cena em que o mocinho descobre sua virtuosa amada, no mesmo bordel
em que é eventualmente arrastado por amigos, ainda que no filme de Fassbinder, numa marota
ironia com os códigos do melodrama, ela
seja realmente uma fraude. Como em todo melodrama que se preze, todas as boas e
más índoles findam sendo construídas no plano pessoal, e é nesse sentido
completamente impregnado de uma forte dose de fábula moral que o Açougueiro termina
sendo barbaramente morto – sorte a qual seu equivalente rico, o especulador,
consegue se safar. Os filmes de rua constituíam uma produção à parte na
Alemanha contemporânea e esteticamente antenados com a chamada Nova
Objetividade, que pretendia ser a “vida real” mais interessante que as
estilizações do cinema (sobretudo, talvez, dos filmes ditos expressionsitas do
cinema alemão contemporâneo). Talvez seja menos fraqueza que virtude o quanto
Pabst trafegou, quase sempre em sua escala naturalista, da turbulência
maníaco-depressiva e cacoetes melodramáticos desse filme ao distanciamento
semi-documental de seu posterior Tragédia
na Mina (1932), uma aproximação, sem
dúvida, maior dos preceitos da Nova Objetividade, ao menos quando se pensa em
sua recepção nos dias de hoje. Curiosamente aqui se encontram presentes tanto a
grande musa do cinema alemão da década anterior, Asta Nielsen, quanto a futura
diva em início de carreira, Garbo. Uma versão restaurada na Alemanha talvez
esclareça o motivo dessa possuir um ritmo por vezes tão frenético e o subenredo
de Maria e o final, com o assassinato do açougueiro, ser tão lacunar, já que
apesar dessa cópia, restaurada em 1981, alertar ter conseguido se aproximar de
sua metragem original, uma nova versão restaurada de 1997 conta com quase 3
horas de duração. Sofar-Film. 115 minutos.
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