Filme do Dia: Aitaré da Praia (1925), Gentil Roiz
Aitaré da Praia (Brasil, 1925).
Direção: Gentil Roiz. Rot. Original: Ary Severo, a partir de argumento próprio.
Fotografia: Edson Chagas. Com: Ary Severo, Almery Steves, Rilda Fernandes,
Antônio Campos, Jota Soares, José Cláudio, Mário Freitas Cardoso, Rosa
Temporal, Queiroz Coutinho, Tito Severo.
Aitaré (Severo) é um pescador que
nutre grande paixão por Côra (Steves), filha de Dona Guilhermina, que após uma
briga que se envolve com seu desafeto, Zeno (José Cláudio), na casa do Dr.
Affonso, afirma ser ele a pessoa menos
indicada à casar com a filha, pois se trata de um ente que pertence a uma
“raça” que provocou bastante atrocidades e, portanto, seu sangue certamente
estaria contaminado por essa herança maldita. Ainda assim, Côra se afirma
disposta a todos os sacrifícios. Aitaré tenta convencer seu parceiro de pesca a
partir com ele em dia de tempestade, o que Cládio razoavelmente não atende. Nem
tampouco o ajuda a levar a jangada ao mar, serviço feito por Zeno. Aitaré pesca
o Cel. Felippe Rosas (Coutinho), um dos homens mais ricos do país, e sua filha
Glória (Fernandes), sobreviventes de um naufrágio. Impacientes com a demora de
saírem de lá, e da dependência dos cuidados de Aitaré, Felippe e Glória partem
em um barco que abastace na praia. Aitaré no momento se encontra em Goiana.
Zeno maldosamente afirma na casa de Dona Guilhermina, para Côra ouvir, que
Aitaré partiu com Glória. Côra não escuta os apelos de Cláudio, que tenta
explicar a verdade. Ela decide aceder aos reclames da mãe de abandonar a praia.
Aitaré, desgostoso ao voltar, sem ter mais seus hospédes e, principalmente, sem
ter Côra, decide mudar-se para o Recife, deixando seus pertences com o saudoso
amigo Cláudio. Na capital, após cinco anos, reencontra Côra e Glória em uma
festa. Ambas gostam dele, mas Glória se resigna com um pretendente que antes
desprezara.
Mesmo sendo talvez mais promessa que
realização efetiva dos propósitos narrativos que enseja, essa produção algo
desajeitada em sua conformação – com um pretenso final feliz de arranjo dos
dois casais em uma mesma festa, sendo que o casal secundáriou rouba a última
cena – é também repleto de charmes e encantos para quem decidir vê-lo de forma
desarmada. Há um apelo a se filmar as ondas e os coqueirais, e algumas imagens
em que a figura humana parece quase um detalhe em meio à imensidão da praia,
provocando um efeito de melancolia quase atemporal. Nas engrenagens narrativas
o filme sofre bem mais. Apresenta uma briga de Aitaré com um comparsa de Zeno,
que simplesmente desaparecerá da história, portanto não fazendo grande sentido
sua presença. Existem ainda dois outros confrontos físicos, agora diretamente
com o vilão, o primeiro, na festa que vem a ser interrompida pela briga de
ambos, provavelmente o espectador desavisado não se dará conta quem são os dois
envolvidos, o que também vale para o reencontro final entre Aitaré e Côra, no
que pode ser observado como uma mescla possível de deterioração das imagens,
montagem um tanto abrupta e sem a utilização de planos auxiliares que situem
melhor onde se dá o evento e os seus envolvidos, planos demasiado abertos, ou
parcialmente escurecidos e ausência (ou perda) das cartelas originais. Aliás,
essas, decoradas com motivos de uma faixa de praia e um coqueiro, uma jangada e
uma meia-lua circundada por nuvens, contribui para o apelo singelo que o filme
se pretende, e parcialmente consegue. Existem alguns momentos felizes de
comentário marginal que quase valem pelos escorregões da trama principal. Em um
deles, um grupo de fofoqueiras, comentam a respeio do “assanhamento” de Côra, o
filme destacando seu ressentimento e amargor de mulheres mais velhas, algo que
a própria natureza parece se revoltar, ao ouvir um atentado contra a pureza da
garota por parte delas, fazendo com que as ondas as expulsem do local. O mesmo
vale para a figura jocosa que insiste em usar do seu instrumento de percussão
para atazanar o músico que encontra a seu lado. Que ele seja o único negro
representado no filme a ainda vivido por um ator em notório uso de blackface não tira o elemento anedótico
e até mesmo anárquico da cena, ainda quando vista a contrapelo do que pretendia
significar. Dentre os referidos escorregões – o maior deles talvez sendo o fato
de Aitaré chega como humilde desconhecido numa mansão do Recife e cinco anos
após já frequente a alta roda da sociedade pernambucana, sem que maiores
motivos sejam explicados, licença romântica bem maior que a própria ausência de
peixes em meio ao vai e vem da jangada, como se afirmando o mero elemento
decorativo e “exótico” a requentar o pathos
do amor, cujas referências aliás, surgem esporadicamente através de trechos ou
alusões a poemas. Em outro, mais hilário e ainda menos verossímil, afinal com
seu carisma, disposição, bom caráter e atrativos físicos Aitaré bem poderia ter
tido uma sucessão de eventos a seu favor, é o fato do milionário Rosas sempre
ser observado soturno, a espera passiva de um resgate que custa a chegar, como
se vivesse numa ilha demasiado distante da civilização e com seus recursos nada
pudesse fazer em prol de si e da filha. Há momentos em que o filme parece
apontar para trilhas que nem de longe se concretizam, como a de um amor do tipo
Romeu e Julieta, do casal principal, dada a tradição oposta que o sangue de
Aitaré representava, algo que o dinheiro e nova situação social poderá redimir
ao final, em uma solução bem brasileira de lidar com os golpes de efeito
tipicamente melodramáticos, também presentes em Mauro (não basta o amor, é
necessário que a situação social também se torne equiparável; aliás a situação
de Dona Guilhemina e Côra parece bem mais afluente na cidade, do que fora
quando moravam na praia). O filme aparentemente fez tanto sucesso à época que
uma refilmagem seria realizada, co-dirigido pelo roteirista dessa
produção, com modificações na trama,
dois anos após, por outra companhia produtora, cujo resultado, infelizmente não
sobreviveu ao tempo. Um encanto à parte são os momentos de evocação de Côra por
Aitaré e vice-versa, utilização graciosa do flashback. Aurora Film. 60 minutos.
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