Filme do Dia: The Cool World (1963), Shirley Clarke

 


The Cool World (EUA, 1963). Direção: Shirley Clarke. Rot. Original: Shirley Clarke & Carl Lee, baseado no romance e na peça de Warren Miller & Robert Rossen. Fotografia: Baird Bryant. Música: Mal Waldron.  Montagem: Shirley Clarke. Cenografia: Roger Furman. Com: Hampton Clanton, Yolanda Rodríguez, Carl Lee, Clarence Williams III, Gary Bolling, Bostic Felton, John Marriot, Georgia Burke.

Duke (Clanton) é um jovem negro do Harlem que se afasta da família e se aproxima da criminalidade, fazendo parte da gangue dos Pythons. Com a decadência provocada pelo envolvimento com drogas e álcool do líder da gangue, Blood (Williams III),  Duke passa a liderar o grupo. Cada vez mais envolvido com Luanne (Rodríguez), prostituta de sua idade, que sonha em ir com ele até Coney Island. No dia em que finalmente realizam o passeio, Luanne desaparece. Abatido, Duke volta para a casa. Há um confronto entre os Pythons e uma gangue rival, os Coolies, que provoca a morte do líder dos últimos, Priest (Lee), amigo pessoal de Duke,  sendo esse arrastado e preso pela polícia.

Esse filme compartilha muitos pontos em comum com boa parte do que se produzia de mais interessante no cinema. A liberdade com que capta Nova York toma ares de documentário e faz parecer empostado até mesmo as produções da Nouvelle Vague, que provavelmente o influenciaram, para não falar evidentemente de um cinema americano que pretendia traduzir parte dessa vitalidade para uma dimensão de maior apelo comercial (Perdidos na Noite, por exemplo). Porém suas interpretações semi-amadorísticas, com destaque para a memorável e única interpretação de Clanton no cinema, como o protagonista, são evocativas  da etnoficção de Jean Rouch, sobretudo nas seqüências em que se procura representar monólogos interiores do personagem, assim como – e principalmente - sua tentativa de reprodução do improviso jazzístico em imagens através de um universo marginal a classe média branca o aproximam de Cassavetes (Shadows). Em seus piores momentos dá a impressão de não ir além de uma atualização, com roupagem estilisticamente moderna, do drama naturalista baseado em ambientes miseráveis bem conhecidos do cinema norte-americano, ao menos desde Griffith, como é o caso da canhestra seqüência em que a mãe ralha com o filho para que não mais se envolva com a marginalidade. Porém tais momentos são exceção, até mesmo porque o ambiente familiar é deixado de lado de um modo equivalente quando passa a se tornar secundário para seu protagonista, cada vez mais envolvido com seus novos amigos e seus códigos peculiares. Em seus melhores momentos, consegue expressar uma poética visual a partir de efeitos simples, como a aceleração de imagens, que transforma em abstrações os galhos de árvores em que são sobrepostos os créditos ou – e com resultados ainda mais satisfatórios – uma particularmente saborosa e acurada crônica de tipos em um de seus momentos mais inspirados, o da seqüência filmada em Coney Island, antecipando estratégias de linguagem que seriam bastante exploradas por realizadores vanguardistas, inclusive brasileiros, como é o caso das produções em Super-8 tais como Copacabana Beach.  Uma das características de sua estética, que ainda deve provocar certo incômodo no espectador médio, é a liberalidade no tratamento do som em relação à imagem, incitando um certo senso de “desencarnamento” do personagem, estranha a uma estética mais clássica, assim como as interpretações do elenco como um todo, que se ganham em espontaneidade perdem do ponto de vista dos cacoetes dramáticos que configuram a habitual psicologização e densidade esperadas. Destaque para o discurso do pastor que surge no início demonizando os brancos e insuflando os negros como os legítimos filhos de Deus.  Assim como para as recorrentes figuras míticas da nação americana que surgem, seja como motivo de ironia, na troça dos garotos na visita da escola, quando o professor explica a importância de George Washington diante de sua estátua, ou como furtivo detalhe na decoração, no retrato de Lincoln presente na casa de um dos personagens. Frederick Wiseman, que se tornaria um reconhecido documentarista, produziu o filme. National Film Registry em 1994. Wiseman Film Prod. para Cinema V. 105 minutos.

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