Filme do Dia: Sobre a Violência (2014), Göran Olsson

 


Sobre a Violência (Om Vald, Suécia/Finlândia/Dinamarca/EUA, 2014). Direção: Göran Olsson. Rot Adaptado: Göran Olsson, a partir do livro de Frantz Fanon. Montagem: Michael Aaglund, Dino Jonsäter, Göran Olsson & Sophie Vukovic. Dir. de arte: Stefania Malmsten.

Tem-se a incômoda sensação com esse documentário, que as interessantes considerações (nessa versão lidas em over por Lauryn Hill) ouvidas, assim como as palavras da intelectual que abre o filme, poderiam sobreviver, em sua extensa fala sobre o conceito de “descolonização”, vivenciando então o auge de sua inserção no campo acadêmico, sem ter a necessidade de, por sua vez, colonizar completamente as imagens de arquivo – inclusive literalmente, ao se apresentarem, gigantescas, sob a forma escrita e sobre a imagem em boa parte de sua metragem -  filmadas em Moçambique, Angola, Guiné-Bissau e Liberia, durante as guerras anti-coloniais ou em plena vida colonial. Primeiro, porque transforma todas as situações, às quais não temos acesso em seu contexto específico, em meras ilustrações de um discurso abstrato e genérico, não firmemente situadas em solo e momento histórico bastante concreto. Depois, porque nos sugere uma posição muito fácil, a dessa fala distanciada e equilibrada diante da câmera, trespassada por vários filtros que vão da passagem do tempo à uma visão de mundo já por demais estabelecida para que tais imagens venham, de algum modo, problematizar ou enriquecer o exposto. De longe, o que há de mais interessante nesse projeto é sua extensa (em termos de metragem e material diversificado) presença de imagens de arquivo, incluindo cenas de bastidores dos colonizadores se deliciando em trajes de banho a beira de uma piscina e sendo servidos por negros, por exemplo. Bem mais interessante, aliás, o documentário se torna quando deixa vazar o áudio de suas imagens de arquivo, trazendo os dados do conflito que está ocorrendo, como é o caso de uma greve com potencial explosivo – sobretudo para os colonizados – na Libéria, em que os militares se juntam ao empresariado para uma repressão aos trabalhadores, contando com o beneplácito do próprio presidente da república, e que, como um ativista bem ressalta, jamais ocorreria de tal forma e com tal brutalidade na Suécia, onde essa multinacional para o qual trabalhava, é sediada. Quando se observa o tal presidente liberiano dizendo que havia mandado forças militares para prevenir a violência (contra quem? não evidentemente os operários, que se encontram como alvo principal de uma violência desigual, já que armada até os dentes) esse recurso diz muito mais, em sua pungente “autoevidência”, que os aborrecidos bodejos sobre descolonização que, infelizmente, são a tônica do filme e que são menos dirigidos aos povos aos quais assume a representatividade, ao menos a parcela destes povos aqui representada, que as camadas progressistas, sobretudo dos países ditos desenvolvidos. Os riscos de se ficar atado ao plano das ideias, como esse documentáro, de um modo geral, faz, é o de se ficar presa de um momento histórico, o das guerras de libertação e não ir ao que houve após, a dificuldade de se levar adiante a utopia de uma nova nação liberta, o crescente dogmatismo dos novos donos do poder, em parte provocados por uma pressão internacional tanto dos rivais capitalistas quanto de um novo colonialismo proveniente de outros países socialistas, como a União Soviética e seus países satélites. Sua conclusão parece culminar com a ironia final, em que se observa um auto-de-fé da África não seguir o modelo europeu mas tentar uma própria saída sua, original, contrastando o que mais parece ser uma epifania para além da própria história com as décadas de utopias fracassadas e de influência dos modelos (e não apenas, mas pressões efetivas) do mundo ocidental, como é bem sabido, e completamente deixado de lado pelo documentário. Algumas das imagens da dor dos combatentes portugueses quando percebem que um de seus companheiros morreu destroçado pela artilheria da guerrilha também podem ser observadas em As Duas Faces da Guerra (2007), de Flora Gomes e Diana Andringa. A imagem mais intensa, sem dúvida, é a da mãe mutilada que amamenta uma criança idem, demonstrando não se sentir confortável com o voyeurismo de quem a filma.  Final Cut for Real/Helsinki Filmi Ou/Louverture Films/Story AB. 90 minutos.

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