Filme do Dia: Crip Camp: Revolução pela Inclusão (2020), James Lebrecht & Nicole Newnham
Crip Camp: Revolução pela Inclusão (Crip
Camp, EUA, 2020). Direção James Lebrecht & Nicole Newnham. Rot.
Original James Lebrecht, Nicole Newnham & David Radcliff. Fotografia Justin
Schein. Música Bear McCreary. Montagem
Andrew Gersh, Mary Lampson & Eileen Meyer.
Talvez exista algo de notável nesse documentário,
em relação ao panorama contemporâneo do gênero, excluindo a temática e figuras
que obtiveram repercussão nacional – e posteriormente internacional – em sua
luta pelos direitos das pessoas que nasceram ou se transformaram em figuras com
limitações de comunicação e/ou movimento, portadoras de paralisia cerebral,
surdos, mudos, cegos, tetraplégicos, paraplégicos, etc., como Judith “Judy”
Heumann. É o apagamento do próprio Lebrecht como um de seus realizadores,
observado apenas como mais um dos retratados associados ao campo de veraneio
que marcaria profundamente suas vidas e posturas diante da vida, ao menos em
uma visada rápida. No documentário, inclusive, observa-se mais sua atuação
junto a sonoplastia teatral e no cenário musical – é citada sua colaboração com
a banda Grateful Dead - mas pouca atenção as atividades no campo
cinematográfico no quesito, com quase duas centenas de títulos no currículo.
Dito isso, como todo filme engajado naquilo que apresenta, tem-se uma visão sem
arestas da evolução de personagens na participação de um acampamento incomum,
que inicialmente foi um dos poucos a aceitar pessoas com “deficiências” até se
transformar exclusivamente em seu público (momento que temos as muitas imagens
de arquivo que observamos ao longo do documentário) e a criação de um movimento
nacional pelos direitos das pessoas desabilitadas, a partir de uma reencontro
de boa parte dos ex-membros da colônia de Camp Jened, na Califórnia, e sua
pressão, inicialmente em San Francisco e, posteriormente, Washington, por terem
reconhecidos seus direitos a partir da formulação de uma lei que havia sido
gestada durante a administração Nixon, mas que continuava praticamente no papel
no governo Carter, que pretendia seguir com a mesma política – o próprio Carter
sai literalmente pela porta dos fundos para não encontrar os manifestantes em
uma determinada ocasião. Como se consciente da rejeição prévia ao tema e suas
próprias figuras por boa parte da sociedade, ao menos daqueles que queira
angariar para simpatias a sua causa, e não os já convertidos ou simpatizantes
de carteirinha, deixa-se de fora qualquer rusga que fugisse do controle de algo
mais redondo. Essas são meramente mencionadas, como é o caso da existência de
conflitos internos da causa ou de qualquer eventual crítica à colônia de Camp
Jened – sabemos muito pouco de seus administradores, apenas que o principal
deles já se encontra morto e que eram fruto do movimento hippie – há uma
associação com o Festival de Woodstock, por exemplo, ocorrido à época, e que
uma das depoentes afirma que gostaria de ter ido, mas que na colônia vivenciavam
esse espírito no dia-a-dia, e também imagens de Richie Havens em célebre
apresentação registrada no documentário realizado sobre o mesmo. Nesse sentido,
o elemento catártico e de superação, potencialmente emocionante como seja, é
imperativo, advindo com um anti-clímax de uma declaração do secretário da pasta
na administração Carter, Joseph Califano, responsável pela implantação da lei,
acuado por pressões de toda parte para que não a fizesse valer, por conta dos
custos de adaptação dos espaços físicos, que numa discreta entrevista à TV,
finalmente capitula. E os manifestantes, liderados por Judy, que chegaram a
invadir por semanas seu escritório, vivendo de maneira um tanto precária – e
apoiados pelos Panteras Negras, a determinado momento, no quesito alimentação –
comemoram essa importante vitória. Vitória que tende a fazem sombra para o que
outra de suas personagens mais carismáticas, a estudiosa de sexualidade e
portadora de paralisia cerebral Denise Sherer Jacobson, aponta como não mais
que a ponta do iceberg. Ou quando se observa muito tempo depois, uma emocionada
Judy Heumann falar o quão absurdo era se agradecer para que houvesse o básico
do básico, sanitários adaptados para portadores de cadeiras de rodas em uma
instituição na qual discursa. E, numa narrativa que cabe como uma luva numa
fórmula já reconhecida como bem recebida, incluindo as pequenas e bem vindas
“transgressões” que buscam quebrar com estereótipos relacionados ao perfil,
como é o caso de uma apresentação de travestismo de um dos ex-membros da
colônia ou na menção à sexualidade dos
mesmos, evocada por vários e descoberta pelos médicos após uma desnecessária
operação de apêndice, quando Denise Jacobson estava na verdade com gonorreia,
não se tem um vislumbre do que possa fugir de um escopo prévio delimitado.
Sejam as novas gerações combatentes, retratos menos positivados daqueles –
provavelmente maioria – que não tiveram a felicidade de ter essa combatividade e
tiveram atitude mais passiva diante dos desafios adicionais que tiveram que
lidar – no máximo a presença de uma “convertida”, vítima de um atropelamento,
que até então não se via como alguém da categoria. E tampouco se tem acesso ao
depoimento de Califano nos dias em que foi produzido, provavelmente negado ou
nem mesmo tentado, ou de qualquer outro membro da administração, ainda que
fosse para contemplar retrospectivamente o contexto. Good Gravy Films/Higher
Ground Prod. para Netflix. 106 minutos.
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