Filme do Dia: Greyhound: Na Mira do Inimigo (2020), Aaron Schneider

 


Greyhound: Na Mira do Inimigo (Greyhound, EUA/Canadá/China, 2020). Direção Aaron Schneider. Rot. Adaptado Tom Hanks, baseado no romance The Good Shepherd, de C.S. Forester. Fotografia Shelly Johnson. Música Blake Neely. Montagem Mark Czyzewski & Sidney Wolinksi. Dir. de arte David Crank & Tom Frohling. Cenografia Leonard R. Spears. Figurinos Julie Weiss. Com Tom Hanks, Elisabeth Shue, Stephen Graham, Matt Helm, Craig Tate, Rob Morgan, Travis Quentin, Jeff Burkes, Matthew Zuk.

O Capitão Krause (Hanks), ainda bastante inexperiente, é designado para o comando de um comboio marítimo que atravessará as revoltas águas do oceano Atlântico, rumo ao Reino Unido, poucos meses após os Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra Mundial. E terá que se deparar, igualmente, com uma legião de submarinos alemães, dispostos a afundarem a maior quantidade de vasos de guerra que conseguirem na travessia.

Como Truffaut a delegar as mais diversas opções ou ordens para seus subordinados em Noite Americana, o personagem de Hanks parece centralizar todas as decisões aqui. E não apenas de seu navio. E se Hanks não chega a ser o diretor, é o roteirista. E sua presença, impregna o filme desde o início com o carimbo de herói, e também de bom moço, cercado pela bíblia e pelo souvenir da mulher amada, cujas reações são esperadas por todos os seus assistentes ansiosamente, em aborrecidamente repetitivos contraplanos. Eles se sentem incomodados quando espontaneamente soltam palavrões diante de ser tão impolutamente controlado.  Que consegue conter o choro nas horas amargas, e o júbilo das conquistas. E ainda ter o espírito e a sensatez de racionalizar que para além de um objetivo que poderia destruí-lo, o submarino que recém-afundaram também contava com 50 almas a bordo. Resta aos subordinados emudecerem ao ponto de controlar a própria respiração e se imobilizarem fisicamente quando o capitão se comunica. Fosse um filme um pouco mais interessante, e também alcovitariam suspeitas insuspeitas sobre superior tão atrozmente repressor por apenas existir, pensar e sentir por todos, e tais maledicências emergiriam por simplesmente serem humanos. Mas o filme não se interessa por movimentos humanos, é bem verdade.  Não se duvida que as ordens técnicas repetidas pela tripulação façam mais sentido que nos filmes do passado. Não chega a ser um alento para a substituição das mesmas em momentos de picos de tensão para não apenas as dezenas de minutos iniciais, mas para o filme como um todo – assim a minúcia de Hanks em pesquisar os termos técnicos, por mais exaustiva que seja, poupa-lhe de escrever diálogos de mobilização e força dramáticas. E haja instruções e ataques a provocar pirotecnia e efeitos visuais. Caso fosse um western o filme consistiria de um interminável ataque contra o comboio dos pioneiros pelos índios, com a força aérea que a todo momento nos é alertado de futuramente dar cobertura ao comboio marítimo, em termos de horas, sendo a cavalaria. Resta de humano, os regozijos coletivos, já que dos alemães, sequer visualizamos um rosto – apenas uma voz provocadora, falando em inglês. O único personagem negro de certo destaque além de cozinheiro, morre em uma das investidas do inimigo. E Krause não se furta em continuar a chama-lo como tal para o outro negro que o substitui. E esse ato falho pode nos dizer muito da personalidade de nosso herói, para quem o afeto ao negro morto se encontra associado a subordinação e bem estar que lhe provocava sua comida.  Em outras mãos, renderia um interessante comentário sobre o humano. Mas isso representaria outro filme, muito distante dos objetivos desse, que apenas mimetizam o da missão: chegarem vivos onde voltarão a ter cobertura aérea.  E são pródigos o suficiente, como imaginamos ao início, de fazê-lo. E o resto é conversa fiada. Inclusive a mulher fantasmática das recordações do capitão, com quem pretende unir sua escova. Sua trilha musical mescla o triunfalismo/suspense na forma harmônica convencional com ruídos algo desestabilizadores, evocativos dos lançados pelos cetáceos, talvez numa alusão ao oportunismo à espreita do cardume subaquático germânico.  Resta uma singela pergunta, que pode ser herança do romance mas que, de toda forma, cabe como uma luva na projeção ainda maior do herói, e da persona cinematográfica de seu ator: por quais cargas d’água se deixou o comando do navio à liderança do comboio a um oficial sem grande experiência? Sony Pictures Ent./Stage 6 Films/Playtone/Zhengfu Pictures/FilmNation Ent/Sycamore Pictures para Appl TV+. 91 minutos.

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