Filme do Dia: Morro dos Prazeres (2013), Maria Augusta Ramos

 


Morro dos Prazeres (Brasil/Holanda, 2013). Direção: Maria Augusta Ramos. Fotografia: Leo Bittencourt & Guy Gonçalves. Montagem: Karen Akerman.


Fechando a trilogia iniciada com Justiça (2003) e Juízo (2007), o filme traça um intenso retrato das tensões subterrâneas (e não tão subterrâneas) da relação entre moradores e a polícia no morro que dá nome ao título, onde foi instalada uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). De forma pouco usual, o documentário consegue se aproximar tanto de um núcleo quanto de outro, trazendo “personagens” ricos de ambos os lados e momentos bastante interessantes que se sobrepõe ao que é flagrado mais ao cotidiano e tampouco deixa de revelar muito do que há de humano, desde a jovem traficante falando sobre quando havia sido flagrada pela polícia em um jorro interminável de palavras até o chefe do comando das UPPs que faz um discurso em que associa a virilidade dos policiais ao armamento que carregam consigo “como uma extensão do próprio pênis”.  São momentos intensos e reveladores não apenas no sentido de confirmarem o que já se associava a determinado personagem – tal como o ritual de poder e vaidade na cerimônia de ascensão profissional da juíza que se torna desembargadora em Justiça. Embora a relação de poder seja evidente e rude no trato da polícia com a população do morro, sobretudo os jovens do sexo masculino abordados constantemente em revista, em um determinado momento se observa a tensão dos policiais com relação a terem que interferir ou não no baile funk que a comunidade organizou e que ultrapassa o limite de horário que havia sido acordado com a polícia. Ou ainda a emoção mal disfarçada quando o comandante das UPPs tem uma conversa com a unidade do Morro a respeito da morte de uma das policiais. E ainda a policial que fala de como se sente diminuída pelo filho ter sido orientado pela professora a não mais divulgar que sua mãe é policial e ela ter que lavar sua farda às escondidas e não poder estender no varal fora de casa. Na comunidade, uma de suas lideranças, que possui uma banca de livros e surge, a determinado momento, lendo Bakunin, depara-se com o comandante da UPP e vê negada sua autorização para a realização do baile que pretendia organizar, extravasando sua ira ao afirmar que todos, prefeito, governador e quem mais fosse deveriam morar lá no morro para terem uma ideia da condição de vida que levam. Já outro personagem, que leva a correspondência aos moradores, apresenta uma generosidade e candura que contrasta com o personagem anterior, inclusive o escutando a determinado momento. Embora seja impossível não lembrar de Notícias de uma Guerra Particular, pioneiro documentário de Moreira Salles na abordagem a questão do morro e do tráfico, aqui as estratégias de elaboração documental, afastando-se da visão panorâmica e ficando restrito ao que ocorre no local e com as pessoas no momento em que são filmadas, carregam  consigo a temporalidade de um processo, que pode ser o dos policiais que caminham em meio a comunidade sendo observados por todos ou o da jovem traficante lésbica e masculinizada pondo os irmãos para dormir. Key-Docs/NoFoco Filmes. 90 minutos.

Postado originalmente em 27/06/2016

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