Filme do Dia: A Dança Rubra (1928), Raoul Walsh
A Dança Rubra (The Red Dance, EUA, 1928). Direção: Raoul Walsh. Rot. Adaptado:
James Ashmore Creelman, Philip Klein, Pierre Collins, Malcolm Stuart Boylan a
partir do conto de Henry Leyford Gates & Eleanor Brown. Fotografia: Charles G. Clarke & Jack A.
Marta. Música: Erno Rappee & S.L. Rothafel. Montagem: Louis R. Loeffler.
Cenografia: Bem Carré & David S. Hall. Com: Dolores del Rio, Charles
Farrell, Ivan Linow, Boris Charsky, Dorothy Revier, Andrés de Segurola, Demetrius
Alexis.
Rússia, 1918. Enquanto o jovem e
charmoso oficial, o Grão-Duque Eugene (Farrell) tem como missão ordenada pelo
Tzar a se casar com a Princesa de Orenburg, Varvara (Revier), a jovem camponesa
Tasia (del Rio) é prometida pela rude família de campônios com quem vive, a se
casar com Ivan Petroff (Linow), um não menos rude e alcóolatra membro do
Exército. Tasia conhece Eugene, no entanto, e o amor entre ambos rapidamente se
expressa, após a fuga dessa de casa em uma noite de chuva. Quando retorna à
casa, Tasia fica sabendo da morte do pai. E conta com mais um pretendente, o
General Tanaroff (de Segurola), enquanto Ivan já parece disposto a esquecer o
casamento e devolver o cavalo roubado. Eugene, por sua vez, comparece contra
sua vontade ao Palácio da Princesa de Orenburg.
Ele se casa com Varvara. Tasia é utilizada como instrumento para matar
um oficial do desagrado de Tanaroff e que vem a ser ninguém menos que Eugene.
Ela não o faz. A Revolução explode. Tasia consegue emprego e se destaca no Teatro
de Moscou. Varvara é morta e Ivan é o homem de confiança do poderoso Tanaroff
para matar Eugene. É o que ele aparentemente faz aos olhos de todos.
O que se antecipa, a das primeiras
dezenas de minutos iniciais é que, apesar dos relativamente detalhados
imbróglios políticos, encenados em ambientes palacianos certamente mais realistas
que as fantasias um pouco posteriores de Sternberg, mas sem perder o toque de
apelo exótico, o que interessará certamente será o amor entre a jovem que tem
seu pai prisioneiro da infame cadeia e o jovem encarregado pelo Tzar de casar
com uma nobre para saber os verdadeiros motivos da rebelião, como se fosse
preciso se imiscuir profundamente nos segredos de alcova para se ter uma
resposta das convulsões sociais. E mesmo esses imbróglios muitas vezes não
dizem exatamente a que vieram. A figura de Rasputin, por exemplo, que
aparentemente teria uma função importante na trama, surge mais enquanto
motivação para explorar seu “exotismo” algo sombrio, depois desaparecendo
somente para se observar seu posterior assassinato. Que a aristocracia é
apresentada da forma mais torpe, não resta dúvida, como quando se contrapõe o
povo desesperado de frio e de fome disputando baldes com restos deixados pela
classe que é observada dissoluta e entorpecida pela bebida em verdadeiros
saraus palacianos. Porém, não há uma identidade ideológica claramente posta.
Sim, os revolucionários libertam àqueles que se encontravam na monstruosa
prisão de Orenburg. Mas esses quando libertados se importam menos em juntar
suas forças à Revolução que a se embebedar de forma nada distinta, guardadas as
proporções, dos seus conterrâneos aristocratas. E a figura de vilão, por
excelência, Tanaroff, não parece ter outros planos além dos pessoais – o porque
dele não conquistar, nem que fosse à força, o seu objeto do desejo Tasia, é um
dos mistérios que facilitam a vida do casal protagonista. Que a latina del Rio seja arregimentada para
representar uma garota russa é típico das liberalidades de um cinema que não
fazia uso do diálogo, ainda que o faça na banda sonora de sua trilha musical,
característica compartilhada por muitas produções nesse momento de transição. A
lógica dos sentimentos, claro, se sobrepõe a qualquer atitude ou visão de mundo
representativa de determinada classe. Isso vale, sobretudo, para o casal
principal. Ele uma espécie de promessa de déspota esclarecido. Ela, uma
ilustrada, consciente de sua situação de exploração, em meio aos rudes
campesinos que a trocam por um cavalo e ainda afirmam que seu futuro marido
poderá se desfazer dela, caso se canse, passando-a adiante pois é dançarina. O
fato de ser dançarina, potencial chamariz de público a tirar partido do apelo
sexual da atriz surge apenas, e muito passageiramente, trinta minutos antes do final do filme. A união carnal de ambos, menos hipócrita que
Hollywood se tornaria pós-Código Hays, parece ocorrer já na noite em que ela
dorme na cabana com ele, sendo evocada pela imagem se decompondo em uma
trucagem visual. Após ele ter apontado a faca que cravara no local que dormirão
como o limite ao qual não avançará e que ela é a primeira a descumprir. Para
acentuar a sordidez e brutalidade do macho russo, o filme conta com ninguém
menos que um ator russo (Linow). E a cena da mocinha sendo açoitada não é muito
diversa da de Sétimo Céu (1927),
mesmo lá tudo sendo trabalhado de forma
bem mais interessante visualmente e, em ambos os casos, sendo providencialmente
salva pelo mocinho encarnado por Farrel. Embora também russo, o galã de Farrel,
como explica a imperatriz, é reverencioso com as mulheres por uma influência
britânica! Que a Providência o coloque justamente a passear pelo campo no exato
momento em que a heroína é torturada soa ainda bem mais forçoso que o episódio
similar na produção dirigida por Borzage. E o mesmo se diga para o momento em
que a heroína foge no meio da noite chuvosa. Os cuidados com a língua russa são
mais frequentes que com os países latinos dos musicais de duas décadas após. E
já a súmula da revolta comunista que levou a União Soviética é apresentada com
cenas que parecem citar, igualmente, o cinema de vanguarda soviético
contemporâneo, ao menos no ritmo da montagem e impetuosidade dos agentes.
Destaque para a cena virtualmente obscena em que o então pretendente de Tasia,
Ivan, traz para sua família uma mandioca enorme e extremamente fálica. Aliás, o
personagem se transforma inexplicável – e inverossimelmente – de uma
personalidade rude, mesquinha e turrona em um verdadeiro gentleman,
inclusive pondo em risco a sua carreira (e sua própria cabeça) para premiar o
casal de amantes. E que a imagem final seja a sua, atormentado (por sua própria
vida, ou dentro da economia do filme mais provavelmente por saber que nunca
mais irá rever o grande amor de sua vida) não deixa de ser significativo. A
afetação excessiva de del Rio, sobretudo quando se pretende séria parece
lembrar que se caminhou algo, pero non mucho, desde as interpretações
das heroínas griffitheanas, elas próprias representativas de sutileza à sua
época. Fox Film Corp. 117 minutos.
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