Filme do Dia: Uma Mulher Casada (1964), Jean-Luc Godard

Uma Mulher Casada - 4 de Dezembro de 1964 | Filmow

Uma Mulher Casada (Une Femée Mariée: Suite de Fragments d´un Film Tourné en 1964, França, 1964). Direção e Rot. Original: Jean-Luc Godard. Fotografia: Raoul Coutard. Montagem: André Choty, Françoise Collin, Agnès Guillemot & Gérard Pollicand. Dir. de arte: Henri Dogaret. Figurinos: Laurence Clervel. Com: Marcha Méril, Bernard Nöel, Philippe Leroy, Cristophe Bourseiller, Roger Leenhardt, Margaret Le Van, Véronique Duval, Rita Maiden, Georges Liron.
Charlotte (Méril), grávida, pretende escolher entre o marido, Pierre (Leroy), piloto de avião e o amante, Robert (Nöel), ator. Godard, de uma maneira completamente diversa da de Antonioni com seu contemporâneo Deserto Vermelho, faz suas considerações sobre um triângulo amoroso onde o que menos importa, ainda menos que em Antonioni – onde, por sinal o triângulo nem chega a ser formado – é se utilizar a tradicional estrutura dramática de representação de tais situações (ao contrário, por exemplo, de Corações Livres, onde a forma narrativa dinâmica impressa pela estética do Dogma-95 se amolda ao mais tradicional espírito do melodrama). De qualquer maneira, trata-se como em Antonioni, da figura feminina tomando a proa de tal situação, fato até então raro no cinema. Godard envereda por sua forma proto-ensaística, na qual se agrupam desde a gravidade do discurso do crítico de cinema Roger Leenhardt, representando ele próprio, até um momento lúdico, em que ao som da canção Quand le Film es Trist, comentário irônico sobre o próprio filme, a câmera resolve passear por peças publicitárias de revistas, com destaque para roupas de baixo ou de banho masculinas e femininas, demonstrando o quanto o consumo e o ideal de um corpo perfeito começam a se entranhar cada vez mais na cultura. No mesmo sentido ocorre uma descrição sobre os seios da empregada e o aparelho que o amante utiliza que provoca um alarme quando a pessoa se encontra numa postura “incorreta”. Ou seja, beleza e disciplinarização dos corpos chegam a novos patamares dentro do ideal burguês. A certo momento, ocorre uma hilária conversa sobre concepção, em forma de entrevista  com um médico, onde se contrapõem a subjetividade prosaica de Charlotte ao discurso grave e científico do médico ou o interrogatório que Charlotte pratica em Robert, onde sua voz e sua postura são completamente dissonantes, e no qual Robert é indagado a falar sobre temas tão diversos quanto o amor ou as diferenças entre representar para o teatro e cinema, incluindo indiretamente o próprio filme de Godard. Assim como a descrição pragmática do amor pela entusiasmada empregada de Charlotte. Ou ainda as declarações de Charlotte para perguntas que não chegamos a ouvir mais que imaginamos quais sejam. Todos recursos que expulsam qualquer pretensão de naturalismo cinematográfico e que, à exceção do último, domesticado pelas práticas de entrevistas televisivas, ainda causam grande estranhamento. Tais estratégias resultam serem, dependendo do momento, tanto espirituosas quanto meramente tediosas. As sequencias de Charlotte com o amante, marcadas pela presença de fragmentos de seus corpos nus – embora a certo momento, Charlotte seja vista de corpo inteiro num plano de nudez de rara beleza no cinema – provoca um efeito tanto estético (que evoca Hiroxima, Meu Amor, de Resnais) quanto expressivo da atração apenas física e fetichizada que o amante nutre por ela. Com uma seqüência em negativo (recurso que voltaria a utilizar em Alphaville) e uma poética seqüência em que Charlotte brinca de esconde-esconde com seu marido no próprio apartamento não consegue, no entanto, ser tão criativo ou visual quanto alguns de seus melhores títulos do período,  como o próprio Alphaville e O Demônio dasOnze Horas. Antecipando temas que seriam melhor trabalhados em Duas ou Três Coisas Que eu Sei Dela, o filme também expõe a radical ruptura com o modelo narrativo clássico que seria retrabalhado ao longo de sua carreira. Anouchka Films/Orsay Films. 96 minutos.


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