Filme do Dia: Terra da Fartura (2004), Wim Wenders
Terra da Fartura (Land of Plenty, EUA, 2004). Direção: Wim
Wenders. Rot. Original: Micheal Meredith & Wim Wenders, sob o argumento de
Wenders & Scott Derrickson. Fotografia: Franz Lustig. Música: Nackt.
Montagem: Moritz Laube. Dir. de arte: Nathan Amondson, William Budge &
Nicole Lobart. Cenografia: Dominique Navarro. Figurinos: Alexis Scott. Com:
Michelle Williams, John Diehl, Shaun Toub, Wendell Pierce, Richard Edson, Burt
Young, Yuri Elvin, Jeris Poindexter, Ronda Stubbins White, Bernard White,
Gloria Stuart.
Lana
(Williams) é uma jovem americana que cresceu na África e Oriente Médio, retornando aos Estados Unidos no aniversário de dois anos dos atentados
terroristas de 11/09. Paul (Diehl), seu tio,
única referencia de família após a morte da mãe, é um paranoico veterano
da Guerra do Vietnã que vive seguindo árabes com uma araponga ambulante
improvisada. Um dos suspeitos que espiona, que frequenta a associação
caritativa em que a sobrinha trabalha, é assassinado diante de seus olhos.
Paul, então, passa a investigar quem foram os assassinos, acreditando que o
assassinato faça parte de uma conspiração terrorista internacional. Sua
sobrinha descobre onde se encontra o irmão do morto, Hassan (Toub), e enquanto
Paul leva o corpo até o necrotério local, Lana conversa com Hassan.
Repentinamente, Paul se dá conta do quanto se afastara de si próprio,
alienando-se da família, e faz uma viagem pelos Estados Unidos com a sobrinha
até os escombros do World Trade Center.
Esse
comentário irônico e aparentemente desiludido com a cena política americana
contemporânea se encontra longe da sutileza que norteia outras obras do
cineasta como No Decorrer do Tempo
(1976), em que reflete sobre a própria Alemanha dividida. A abordagem de
Wenders é comprometida pela dualidade esquemática representada por tio e
sobrinha. A última refletindo a tradição da imagem generosa dos Estados Unidos
e o primeiro o reacionarismo conservador reavivado como nunca pós-11 de
setembro. Porém, pior que isso é a representação da paranoia americana a partir
de um sujeito que vive completamente fora da realidade, quanto teria sido muito
mais impactante ouvir as observações estapafurdiamente paranoicas do personagem
da boca de um cidadão médio americano. Mais interessante foi a utilização das
referências ao próprio cinema para compor seu painel irônico. Assim, todas as
ações do insano personagem, na sua missão de livrar o país do terrorismo são
acompanhadas de uma trilha musical típica dos filmes de ação. Embora Wenders
pague seu tributo a mestres como John Ford, ainda que por sua referência às
avessas – o herói ao invadir o que ele acredita ser o QG dos terroristas se
defronta com uma típica velhinha americana (vivida pela veterana heroína dos
filmes de Ford, Gloria Stuart); é a sobrinha que vai a procura do tio e exerce
seu domínio sobre ele, invertendo a relação de Rastros de Ódio – tenta demonstrar fidelidade, acima de tudo, a si próprio. A reconversão do tio, principal
indicativo de sua mensagem de utopia, representando uma tomada de consciência
dos americanos (ao contrário de outro personagem “embrutecido” semelhantemente
pela sociedade americana, o Alexander de Alexandria...New York), soa grandemente inverossímil. Porém, não ao ponto de abalar sua
portentosa mensagem final, que posterga o sentido de tudo o que aconteceu para
o futuro. Talvez a mais inspirada de todas as cenas seja a que Paul observa
como ação terrorista, os destroços da própria miséria em seu país, o que não
deixa de ter um fundo de verdade. Não faltam momentos de auto-referência,
seja em detalhes como no tradicional
plano da asa de avião (incluído até mesmo no documentário Buena Vista Social Club) ou na referência a um personagem que
decide abandonar todo o seu passado de forma radical, herança do filme de
faroeste que Wenders já personificara com seu Travis em Paris, Texas. Porém, comum com a sua produção recente, o que há de
mais problemático é o seu delineamento cada vez mais chapado dos personagens. A
recusa ao psicologismo tanto pode ser fértil em seus melhores momentos,
funcionando como verdadeiro radar que metaforiza sejam conflitos familiares ou
a própria identidade nacional quanto acabar descambando para o mero clichê e
pastiche (em filmes como Até o Fim do
Mundo ou O Hotel de Um Milhão deDólares) ou para reflexões um tanto quanto triviais sobre a realidade
americana hoje. Emotion Pictures/InDigEnt/Reverse Angle International. 123
minutos.
Comentários
Postar um comentário