Filme do Dia: O Céu Sobre os Ombros (2011), Sérgio Borges
O Céu
Sobre os Ombros (Brasil, 2011). Direção: Sérgio Borges. Rot. Original: Manuela
Dias & Sérgio Borges. Fotografia: Ivo Lopes Araújo. Montagem: Ricardo
Pretti.
Nesse
filme que mescla os limites entre a ficção e o documental ou ficcionaliza o
documental na esteira do trabalho mais sofisticado de um Pedro Costa, tem-se
contato com um pouco (ou muito, dependendo do ponto de vista) do universo de
três “personagens”: um operador de telemarketing fiel ao culto hare krsna, um
escritor potencialmente suicida que possui um filho deficiente mental e uma
professora transexual que prepara sua tese de doutorado e faz programas à
noite. O filme parece buscar o distanciamento emocional que consiga apresentar
seus personagens fugindo do estereótipo, ou seja, com densidade. Apresentados
formalmente de modo destituído de apelo emocional, é através do próprio
discurso e ações de seus personagens que o filme trafega. Como em Costa são
“atores naturais”, ou seja, representam a si próprios. O resultado, ainda que
irregular e não destituídos de quebras estilísticas que não explicitam
exatamente a que vieram – como o momento em que uma forte música
“extra-diegética” invade a banda sonora quando um dos personagens passeia de
skate pela noite de Belo Horizonte - demonstra sua evidente simpatia pelos
personagens, sem apelar para o discurso sociológico, como aliás boa parte dos
documentários contemporâneos já o vem fazendo desde algum tempo, e sem investir
na estratégia de seguir os personagens no seu cotidiano através de um roteiro
mais ou menos fiel do seu dia-a-dia, também bastante comum nas produções
documentais contemporâneas. Aqui, mesmo o cotidiano estando sempre
entrincheirado e localizado, seja no ambiente doméstico, seja no cenário
social, prefere-se investir em subjetividades que desfiam muito de si próprias
(talvez bem mais que os atores naturais de Costa), o que acaba criando um
processo de identificação mais convencional. Em ao menos um momento, em que a
transexual chora sobre a falta de contato com a própria avó – a busca de
relações de afeto e a solidão parece ser um ponto comum e, ao mesmo tempo
expressão de uma angústia contemporânea mais ampla - não se tem aparentemente
outro interlocutor do que a própria câmera. Noutros, observa-se boa parte do
discurso mais abertamente confessional pelos olhos de um interlocutor, como é o
caso da namorada do escritor. Não faltam momentos visualmente inspirados como o
que o hare krsna olha a própria câmera, que faz às vezes da televisão que ele
assiste ou o próprio plano de abertura, filmado no interior de um ônibus. De um
modo geral fica evidente a desconstrução dos estereótipos como o hare krsna que
se encontra em meio a aguerrida torcida de um jogo de futebol ou a transsexual
que cita Foucault. Sobre os três, seus conflitos e temores, desde o plano
inicial, parece fazer mais do que nunca sentido
o título. 72 minutos.
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