Filme do Dia: Fim de Semana (1976), Renato Tapajós





Quase que invariavelmente a música erudita, já ouvida nos créditos iniciais, e que traz uma dimensão algo melancólica ao filme, surge antes que entre a locução over, a trazer a explicação genérica, sociológica, do que é apresentado individualmente por cada um dos depoentes: o sonho de morar em uma casa própria, devido aos custos altos de se morar de aluguel e a construção das mesmas pelas próprias famílias interessadas nos finais de semana e tempos livres do trabalho em que são empregados. Daí a razão um tanto irônica do título, pois se alguém imagina que se trata de algo associado ao lazer, trata-se justamente do inverso. Por vezes, no entanto, a música erudita surge ainda sobre a fala (descarnada) dos depoentes, que é ouvida enquanto se observa imagens de apoio. Após um terço do filme transcorrido, agora entra na banda sonora não a música erudita ouvida anteriormente, mas antes temas instrumentais e para coral de Milton Nascimento de Paula e Bebeto, composição sua e de Caetano Veloso. Ironicamente, se a composição de ambos é observada como pertencente mais a um “comentário” do filme, relativamente distanciado, sobre seu tema, uma música de Roberto Carlos (Sentado à Beira do Caminho, composição sua e de Erasmo) já parece quase fazer parte do ambiente filmado e também em consonância com o momento específico retratado pelo filme, em que se observa a televisão assistida por um garoto, sendo a música mais um desses elementos dos meios de comunicação de massa da paisagem audiovisual e sonora do cenário de pobreza e instalações precárias, numa linha que se poderia dizer próxima da concepção de alienação com que era cultivada pelos cinema-novistas e em contraposição ao que se observara como um elemento a ser positivado, a construção em mutirão das casas, em que normalmente familiares e amigos se dedicam em projetos que chegam a levar uma década. Mais adiante, escuta-se o que parece ser o som ambiente que está sendo escutado e dançado em uma casa (Canta Canta, Minha Gente, de Martinho da Vila). Mas nem só de trabalho o filme se detém e se observa formas de sociabilização entre as crianças (um grupo de crianças que brinca de fazer embaixada com uma bola) ou entre adultos e crianças, como a banda em que há uma marcada divisão de gênero – os meninos tocam os instrumentos de percussão, as meninas fazem evoluções coreográficas não muito distintas, assim como as roupas que vestem, de um modelo norte-americano – o evento e sua apropriação pelo filme, por sua vez, é evocativo de um  curta da Escola Documental Britânica, Spare Time (1938), de Humphrey Jennings, mesmo que as funções ideológicas pretendidas pelos realizadores sejam bem distintas. Jennings observa com certo encanto paternal a sua banda de músicos que efetiva com pose empertigada, o ensaio de seu número, havendo uma aura de elemento nacional a compartilhar. Aqui se observa um pouco entoado maestro cantar um dos hinos não oficiais da ditadura militar, direcionada sobretudo, como aqui, para os jovens e crianças que é Eu Te Amo, Meu Brasil, de Don e Ravel. E a lógica do mutirão não funciona apenas para a construção de habitações particulares, mas também de instituições sociais como a sede dos amigos do bairro ou uma igreja, ambas observadas fazendo uso dessa dinâmica quando da filmagem. Paradoxalmente, no entanto, esse esforço coletivo, no caso das associações de bairro, tem como fins, justamente, reivindicar do poder público a falta de cuidados básicos com os locais nos quais moram. De forma muito franca, um dos líderes de uma associação de bairros fala sobre sua relação com a política mais ampla, afirmando que a depender do partido no poder – Arena ou MDB – flutua a adesão da mesma. Ao final, é realizada uma espécie de suma poética do que foi anteriormente visto ao som de um tema instrumental para cordas e flauta, sendo observados alguns dos personagens entrevistos ao longo do curta. 31 minutos.

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