Filme do Dia: Alma em Suplício (1945), Michael Curtiz
Alma em Suplício (Mildred
Pierce, EUA, 1945). Direção: Michael Curtiz. Rot. Adaptado: Randall
MacDougall, a partir do romance de James M.Cain. Fotografia: Ernest Haller.
Música: Max Steiner. Montagem: David Weisbart. Dir. de arte: Anton Grot &
Bertram Tuttle. Cenografia: George James Hopkins. Figurinos: Milo Anderson.
Com: Joan Crawford, Ann Blyth, Jack Carson, Zachary Scott, Eve Arden, Bruce
Bennett, Lee Patrick, Jo Ann Marlowe, Butterfly McQueen, John Compton.
Mildred
Peirce (Crawford), pacata dona de casa,
reinventa-se após a partida do marido, Bert (Bennett), tornando-se uma bem
sucedida dona de lanchonetes após o modesto início como garçonete. Sua filha
mais nova Kay (Marlowe), morre de pneumonia súbita. A mais velha, Veda (Blyth)
e agora única, demonstra seu desprezo para com a atividade da mãe. No plano
afetivo, Mildred foge dos galanteios do amigo Wally (Carson) e se interessa
pelo rico e elegante Monte Beragon (Scott), por quem a filha também se sente
atraída. No entanto ela se casa com o jovem de família rica Ted Forrester
(Compton) apenas para se separar e exigir uma indenização, inclusive alegando
uma falsa gravidez. Discutindo com sua mãe a respeito do caso, ela a estapeia e
Mildred pede que ela se retire de sua casa. Tempos depois, Bert leva Mildred a
um clube noturno onde a principal atração é ninguém menos que Veda. Incomodada,
tenta convencê-la a voltar para casa, mas ouve de Veda que ela não conseguirá
manter o padrão de vida desejado por ela. Sem nunca esquecer a situação da
filha, Mildred se casa com Beragon, apenas para ter a filha de volta. E essa de
fato volta a morar com ela após algum tempo, apenas para a flagrar nos
braços do padrasto pouco tempo depois. Beragon é encontrado assassinado e
Mildred é encaminhada a delegacia.
Essa
curiosa adaptação de obra de Cain, a anos-luz de distância da mais tipicamente
crua, contemporânea e noir O Destino Bate à Porta, mesmo contendo elementos em comum ao universo sombrio
do autor, não apenas pune por uma protagonista devidamente “polida” do mau
caratismo ou instabilidade reinante entre seus próximos – ainda quando alguns
de seus atos apontem em contrário, como a tentativa desesperada de incriminar
Wally – como é, na verdade, uma mescla entre noir e melodrama
materno-filial no estilo de Stella Dallas (1937), de Vidor, inclusive
pendendo mais ao último. Embora exista um crime, já perpetrado na cena inicial
e praticamente toda a ação se dê através do flashback
da narrativa de Mildred, como muito tipicamente no noir, tal dimensão se
torna eminentemente secundária diante da de auto-sacríficio maternal de uma
Crawford que parece, com esse filme, efetuar um ponto de mutação que acena para
personagens que encarnará na década seguinte, emocionalmente inseguras,
frígidas ou possessivas. Dentro igualmente da fatura melodramática se encontra
a do valor de alguém que se fez por si mesma, como é o caso de Mildred, em
relação aos que não precisaram ou fizeram qualquer esforço na vida,
representados pela filha e marido, a serem devidamente punidos ao final da
narrativa. E margeando as possibilidades de amor se encontra o ex-marido que se
espera voltará a ser o futuro, como de forma previsível aponta a cena final –
seu problema de caráter já havia demonstrado ser mais conjuntural que
propriamente estrutural, ao contrário da filha. Com todas suas virtudes, o
filme se torna prejudicado pelo efeito-fórmula e se a questão de ser mulher é
observado diretamente do início ao final do filme, o caráter demasiado
unidimensional de seus personagens e a ausência de evocação atmosférica para os
ambientes findam por enfraquecer até mesmo ousadias como a do “triangulo
amoroso” intra-familiar. Destaque para o momento em que a filha mais nova –
personagem que aliás só não foi limado provavelmente para enfatizar ainda mais
o drama/ressentimento de Mildred em relação a sua agora “filha única”, já que
sua presença e morte são grandemente supérfluas por si mesmas – faz um arremedo
de Carmen Miranda em South American Way, acompanhada no piano pela irmã
mais velha. Jack Carson, mais uma vez parece repetir a si mesmo, como em quase
todos os papeis que vivenciou e Butterfly MacQueen, a empregada negra de voz irritantemente
infantilizada, parece derivativa da de sua atuação em ...E O Vento Levou.
Embora Shirley Temple tenha sido cogitada para vivenciar o papel de Veda, o que
romperia radicalmente com sua persona cinematográfica, Blyth lembra bastante a
atriz. Warner Bros. 111 minutos.
Comentários
Postar um comentário