Filme do Dia: Os Passageiros (1999), Jean-Claude Guiguet
Os Passageiros (Les Passagers, França, 1999). Direção: Jean-Claude Guiguet. Rot. Original: Jean-Claude Guiget & Haydée Caillot. Fotografia: Philippe Bottiglione. Montagem: Khadicha Bariha & Marie Tisserand. Cenografia: Laurent Gantés. Figurinos: Monic Parelle. Com: Fabianne Babe, Philippe Garziano, Bruno Putzulu, Stéphane Rideau, Gwenaëlle Simon, Véronique Silver, Jean-Christophe Bouvet, Marie Rousseau.
Uma
mulher comenta sobre os passageiros desconhecidos que observa no bonde que
efetua o trajeto para o hospital onde trabalha.
Seu
tom de fantasia é talvez apenas um ou dois acordes além do realismo
convencional, partindo de pequenas situações do cotidiano e parece movido por
um humanismo sentimental em tudo menos presente no cinema francês de sua época,
evocando talvez mais algo próximo de alguns realizadores da Nouvelle Vague como
Truffaut ou ainda Jacques Demy. Ou mesmo talvez da pós-Nouvelle Vague. Com as
situações apresentadas por uma espécie de “mestre-de-cerimônias” outonal e
carismática, vivida por Véronique Silver que, como nos filmes de Fellini, media, antecipa e/ou induz o que vemos ou
iremos ver, dirigindo-se diretamente à câmera, o filme também demonstra seu
viço com seu belo prólogo sobre os trilhos,
extraindo do movimento e de pequenos e encantadores achados visuais –
como o do fundo negro para os créditos buscado na escuridão de um túnel - sua
beleza. Cômico, mas ainda mais espirituoso,
modesto e irregular, são essas mesmas características que fazem seu
charme. Tudo isso temperado com pitadas de erotismo que exemplificam os três
tipos de sexualidade explanadas monologicamente por um homem a seu ouvinte no
bonde: homossexualidade, heterossexualidade, onanismo, sem se apegar as
minúcias das variações possíveis elencadas pelo mesmo. Não se pense, no
entanto, que tudo são flores e magia. Mesmo nos produtos mais aparentemente
róseos de realizadores franceses existem vestígios ou mesmo a forte presença do
seu oposto, como é o caso de Demy e tantos outros. Aqui não é exceção e ocorre
praticamente um paralelismo entre o vigor e exuberância que marcam seu início,
apresentando meio que obliquamente as atividades iniciais de um dia de trabalho
com a soturna melancolia de seu final, repleto de locais abandonados,
semi-destruídos, vazios da presença humana e o cemitério à margem da linha do
bonde, tal como numa suma da própria vida. Talvez funcione mais enquanto
observado como um todo, que em suas partes, com muitas das histórias narradas
soando um tanto pouco efetivas, em termos dramáticos, como a do rapaz que se
encontra em estado terminal e recebe a visita de seu companheiro. Ou o
reencontro de um colega de classe por duas amigas. São situações que não
apresentam maior conectividade com o filme como um todo e nem tampouco com as
micro-narrativas por ele desenvolvidas. Da mesma forma, a herança do intimismo
afetivo das gerações acima citadas ressoa aqui certamente positivamente e
também com suas limitações. Alguns planos surgem em seu mesmo ângulo rigoroso
(ou seriam repetição dos mesmos anteriormente observados, em sua função de
pontuação), evocativo juntamente com seu corte seco, de Antonioni (O Eclipse). Referências
cinematográficas pipocam aqui e acolá. Seja quando escutamos a voz da
narradora, deslocando-se do habitual espaço de observação no próprio bonde, a
ressaltar o mesmo cenário de L’Atalante
de Vigo, após um passeio de bicicletas entre amigos, no qual um deles havia
acabado de se referir, aparentemente sem citar diretamente, a absurda
irresponsabilidade da visão de mundo de Noites
Felinas (1992), de Cyril Collard, em que o protagonista, vivido pelo
próprio Collard, faz sexo desprotegido sendo vítima do HIV em contraposição a A Mãe e a Puta (1972), de Jean
Eustache. A estranheza do comentário incorpóreo da narradora, que também
comenta sobre algo que se estende para além do universo ficcional em questão,
assemelha-se quase a daqueles sobrepostos em DVDs comentados. Little
Bear/Lancelot Films para Les Films du Losange. 93 minutos.
Somente agora vim a "conhecer" este filme. Mais uma para a lista de intermináveis pendências.
ResponderExcluireu diria que vale a pena, até por sua estraheza...
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