Filme do Dia: O Tempo que Resta (2005), François Ozon
O
Tempo que Resta (Le Temps qui Reste,
França, 2005). Direção e Rot. Original: François Ozon. Fotografia: Jeanne
Lapoirie. Montagem: Monica Coleman. Dir. de arte: Katia Wyszkop. Figurinos:
Pascaline Chavanne. Com: Melvil Poupaud, Jeanne Moreau, Valeria Bruni Tedeschi,
Daniel Duval, Marie Rivière, Christian Sengewald, Louise-Anne Hippeau, Henri de
Lorme.
Romain (Poupaud) é um bem sucedido fotógrafo de moda gay que
descobre se encontrar com câncer terminal. Ele decide por não fazer o
tratamento quimioterápico, de reduzidas chances em seu caso, e esconder dos
pais (Duval e Rivière), assim como da irmã (Tedeschi), amiga na infância, mas
com quem hoje possui dificuldades de se relacionar. Romain expulsa seu amante,
Sasha (Sengewald) de sua casa e, tirando férias do trabalho, decide visitar a
avó, Laura (Moreau), a única pessoa para quem conta a verdade. Durante a
viagem, recebe a insólita proposta de fecundar uma mulher de um marido estéril.
Antes de morrer, Romain se sente tocado por uma carta escrita pela irmã e fala
com ela ao telefone de modo carinhoso, reencontrando Sasha, agora bem situado
profissionalmente e sem os rancores tão agudos de quando findou a relação e
decide inseminar a mulher que lhe fizera a proposta, deixando sua herança para
a criança. Viaja para a praia, onde morre.
Sem dúvida o melhor e mais amadurecido filme de Ozon até o
momento. Há uma intensidade na interpretação de Poupaud comovente, assim como a
própria descrição de uma morte “moderna” por excelência, isolada de tudo e de
todos. Porém, ainda assim, as evocações de infância (que, por vezes, seguem a
clássica trilha de Morangos Silvestres,
com o personagem de hoje observando a si próprio quando criança) são banais
tanto enquanto construção formal quanto nas próprias situações relatadas. Ao
optar por um personagem jovem e distante de ser acima da média, Ozon arrefeceu
o impacto desse “pacto de comoção” que ele pretende criar entre o espectador e
o protagonista de seu filme. Pacto esse que, em grande parte, fica restrito a
própria narrativa do filme, quando Romain confessa, numa cena de irônica
comicidade, que procurou Laura porque sabe que ela também morrerá em breve.
Nesse sentido, é providencial, em termos de comparação, a sequência final, uma
óbvia referencia a Morte em Veneza (1971),
de Visconti. Aqui o que poderia ser vivenciado enquanto tragédia, torna-se
meramente reflexo individual do próprio vazio existencial e temor diante da
morte. Enquanto a morte e o envelhecimento na adaptação de Thomas Mann estava
associada a pretensões mais amplas, aqui não transpõe a esfera do próprio
narcisismo, sendo o desejo pela juventude e beleza que movia os ideais do
Aschenbach do filme de Visconti aqui explicitamente voltado para sua própria
imagem enquanto criança. Algo que Ozon reforça ao escalar um ator fisicamente
evocativo de si próprio. Ao mesmo tempo Visconti não escondia o que havia de
patético no esforço pelo sublime em seu personagem, aqui “blindado” pelo álibe
da juventude e, correspondentemente, também pela autocondescendência. Mesmo
mais comedido e centrado que o habitual na descrição de sua história, o
cineasta insere uma situação cômica que é a da proposta de filho com uma
estranha e sua realização que aproxima do escracho de algumas situações de
filmes anteriores e servindo como confortável saída para o desejo de
perpetuação de Romain, incapaz de sobreviver através de suas fotografias. De
todo modo, trata-se de um subenredo que foge do escopo maior que o filme
pretende trabalhar, demonstrando a insuficiência do realizador em aprofundar
suficientemente o drama de Romain. Destaque para uma outonal, mas ainda
intensa, Moreau, a quem o cineasta, conhecido por gostar de dirigir mulheres,
presta seu merecido tributo, assim como para Rivière, atriz identificada
sobretudo com a filmografia de Eric Rohmer. Fidélité Productions/France 2
Cinéma/Studio Canal. 85 minutos.
Comentários
Postar um comentário