Filme do Dia: Lula, o Filho do Brasil (2009), Fábio Barreto & Marcelo Santiago
Lula, o Filho do Brasil (Brasil, 2009). Direção: Fábio Barreto & Marcelo
Santiago. Rot. Adaptado: Fernando Bonassi, Denise Paraná e Daniel Tendler, a
partir do livro homônimo de Denise Paraná. Fotografia: Gustavo Hadba. Música:
Antônio Pinto & Jacques Morelembaun. Montagem: Letícia Giffoni. Dir. de
arte: Clóvis Bueno. Figurinos: Cristina Camargo. Com: Rui Ricardo Dias, Glória
Pires, Juliana Baroni, Cléo Pires, Sóstenes Vidal, Lucélia Santos, Marcos
Cesana, Milhem Cortaz, Antonio Pitanga.
Início dos anos 50. Lula, sua mãe (Pires) e diversos irmãos
partem do sofrido sertão pernambucano para Santos. Lá, um pai (Cortaz), alcoólatra
que espanca os filhos diante da professora (Santos), torna-se um dos motivos
para que a mãe decida criar os filhos sozinha. Insistindo na educação dos
filhos, principalmente de Lula, que a professora já havia avaliado como
promissor, a mãe se emociona em ver o filho ganhando o seu primeiro diploma
como técnico e ingressar no mercado de trabalho, como torneiro mecânico, algo
que lhe orgulha, assim como se envolver com o sindicalismo, algo que a deixa
apreensiva, dado o momento de intensa repressão do regime militar. Ele o faz
por influência do irmão mais velho, Ziza (Vidal). Vive-se o período de meados
dos anos 70, em que Lula ganha posição sobre o sindicalista pelego que o
antecedia. Ele se torna um líder de repercussão nacional quando ocorre uma
série de manifestações no final dos anos 70, que o levam a um impasse e a
decisão que acredita sensata, no momento, de recuar passivamente diante do
avanço da repressão militar, que fecha o sindicato. Logo, no entanto, sua
presença marcante voltará a se firmar, com o apoio de segmentos da Igreja.
Quando sua adorada mãe morre, ele se encontra preso e somente tem direito de ir
ao seu enterro.
Sofrível produção por aspectos diversos. Desde a habitual
compreensão retrospectiva dos eventos que parece guiar toda a trajetória de
modo quase inabalável, explicando de forma bastante conveniente todos os
eventos do passado a partir da perspectiva contemporânea até – e bem pior
– um didatismo na forma com que a
narrativa subestima por completo o espectador, mesmo tendo em vista as
pretensões oportunistas de faturamento geradas pelo tema. Assim não é muito difícil antecipar a cena da
corrida do cão para se despedir da família ou a perda do dedo de Lula no
torno. Em vários momentos isso se torna
patente, chegando em certos momentos a rivalizar com a prática pueril com que o
recurso é utilizado nas telenovelas brasileiras, como quando a decisão de Lula
de recuo na luta e a ojeriza e perda de prestígio imediato junto
a seus seguidores é intercalado por flashes dos conselhos dados pela mãe nessa
direção. A dimensão melodramática, evidentemente, é o cerne da estrutura do
filme e – como em Dois Filhos de
Francisco – encontra-se relacionada a um valor praticamente acima de
qualquer suspeita, o amor de uma mãe por seu filho e a crença de que ele poderá
ser alguém na vida. A dimensão social,
por sua vez, fica em segundo ou mesmo
terceiro plano, enquanto mera moldura para a tentativa de apelo fortemente
manipulativa, em termos emocionais, centrada na relação entre filho e mãe – não
é à toa que a primeira esposa é vivenciada pela própria filha de Glória Pires,
selando o grande amor e perda da vida de Lula a uma figura que é cópia de sua
mãe. Sua relação com a segunda esposa, desenvolvida pouco depois, demonstra-se
ainda mais capenga, pois o momento inicial da corte parece demasiado solto
dentro de uma narrativa que não mais voltará a tocar na relação em questão. A
imagem que é forjada do futuro presidente é a da persistência diante da
adversidade. Persistência vencida igualmente mais por valores sentimentais do
que por qualquer dimensão social mais ampla. Trata-se de uma imagem chapada,
sem nuances, vivenciada com garra pelo ator que o encarna, e não mais que isso.
Algo não muito distinto se pode dizer de Pires, que vive com relativa dignidade
o papel da mãe, mas que sucumbe ao estereótipo fácil e num tom demasiado fake e mesmo patético, menos por conta
de limitações da atriz que da pobre dramaturgia e direção de atores. Tudo soa
ainda mais empostado quando, no auge do movimento sindicalista no ABC, faz-se
uso de imagens de documentários do período, numa tendência, geralmente
malfadada, contemporânea, de buscar extrair algo da intensidade das imagens
documentais para ressaltar o aspecto coletivo o/ou mimético do que é
representado no drama ficcional (como em Milk)
– algo que sua estética padronizada em termos de competente direção de arte,
fotografia e figurinos, chamada por alguns de “Globo Filmes”, associada a
produtora contemporânea de maior participação em produções de maior pretensão
de bilheteria, consegue dar conta. O tiro acaba saindo pela culatra, pois a
inclusão de tais imagens, pelo contrário, apenas realça ainda mais o quão pouco
ou nada pode a dramática ficcional quando é aplicada de forma tão rasteira
sobre os eventos históricos-políticos da história recente de qualquer nação.
Parece suscitar, a todo momento, o desejo que alguma realização documental
tente empreender sob o período uma análise histórica tão primorosa e detalhada
quanto a que Sílvio Tendler, ironicamente tio de um dos roteiristas do filme, efetivou
sobre os anos de João Goulart em seu Jango
(1984). Ou ainda, e tão ou mais
ambiciosamente quanto, que alguma ficção brasileira contemporânea consiga lidar
de forma dramaticamente densa e complexa, sem apelar para os caminhos mais
fáceis, com a história do país. As pontas de Lucélia Santos (constrangedora, sobretudo em sua teatral
saída) e Pitanga, não parecem ter outra justificativa que é a de terem sua
imagem fortemente associada com a do partido fundado por, entre outros, Lula.
Luiz Carlos Barreto Prod. Cinematográficas para Downtown/Europa Filmes. 130
minutos.
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