Filme do Dia: Sombras de um Adultério (1961), Alexandre Astruc
Sombras de um Adultério (La Proie pour l’Ombre, França, 1961).
Direção: Alexandre Astruc. Rot. Adaptado: Alexandre Astruc & Claude Brulé,
a partir do romance Le Plaie et le
Couteau, de Françoise Sagan. Fotografia: Marcel Grignon. Música: Richard
Cornu. Montagem: Denise de Casabianca. Dir. de arte: Jacques Saulnier. Com: Annie Girardot, Daniel Gélin,
Christian Marquand, Anne Caprile, Christiane Barry, Michel Chastenet, Michèle
Gerbier, Corrado Guarducci.
Anna (Girardot)
abriu recentemente uma galeria com ajuda econômica do marido, Eric (Gélin). Se
a vida profissional começa a dar frutos após muito esforço, sua relação com
Eric é impessoal e movida a recepções oferecidas por ele em sua casa. Anna
possui um amante, Bruno (Marquand) e com o tempo não faz questão de ocultar a
relação, inclusive para o próprio marido. Ela decide abandonar Eric e passa a
viver com Bruno, músico que havia lhe incutido sobre a necessidade da
liberdade. Porém, Anna tampouco se sente livre ao seu lado. Feliz com o
presente dado pelo marido da parte que detinha da galeria, encontra-o partindo
para o Rio no aeroporto e com sua nova namorada. Bruno a segue, mas Anna afirma
que precisa ficar só.
Mais próximo do
universo dos dramas existencialistas contemporâneos de Antonioni e de Alain Resnais que dos mais leves e irreverentes filmes da Nouvelle Vague, essa
produção, talvez a mais famosa dirigida por Astruc, mais conhecido como
crítico, apresenta um estilo visual também mais sisudo e elegante que os filmes
de Godard e Truffaut da época. Reunido
tudo isso a uma protagonista algo perdida, coqueluche do cinema modernista de
então, e se tem uma Girardot alourada que remete a Jeanne Moreau. O filme no entanto, patina entre o algo óbvio
– o interesse de Anna por um homem mais ardente e apaixonado que seu frígido
marido, compartilhando com ela uma aproximação com o mundo das artes e não da
economia – e uma contaminação da narrativa pela própria volubilidade emocional
de sua protagonista. Além de quando se soma tudo isso e ainda se acrescenta uma
cantata de Bach se pende para algo empolado. O filme, sem dúvida, tematiza uma
nova condição feminina que ainda se encontra a meio caminho entre o papel tradicional
de dona-de-casa e a emancipação e isso chega a ser discutido numa das recepções
oferecidas por Eric. E o tematiza com relativa honestidade, já que os refluxos
emocionais que acompanham Anna, ao mesmo tempo que a afastam de uma mulher
idealmente bem resolvida, em termos feministas programáticos, lhe dão uma
espessura talvez menos esquemática. Mas nem tudo isso consegue salvar a
personagem, e com ela o próprio filme, desse impasse que nem de longe consegue
extrapolar o drama ordinário como os filmes e personagens de Antonionie resvala, de certo modo, para o meramente patético presente, por exemplo, em
filmes como o brasileiro Noite Vazia,
de Walter Hugo Khouri. Nesse sentido, ser dono de uma virtuosa mise em scene, presente seja no modo
como os personagens são fotogenicamente enquadrados em recortes geométricos ou
no modo como lida com o espaço e a profundidade de maneira mais ampla não é o
passaporte imediato para uma obra-prima.
O título em português, que reproduz o título internacional-inglês do
filme, consegue traduzir melhor que o original certo arcadismo gótico que
parece se insinuar por entre os ambientes e situações que se pretendem as mais
modernas. Cocinor/Les Films Marceau. 91 minutos.
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