Filme do Dia: Eu Sou Ingrid Bergman (2015), Stig Björkman
Eu Sou Ingrid Bergman (Jag ar Ingrid, Suécia, 2015). Direção: Stig Björkman. Rot. Original:
Stig Björkman, Dominika Daubenbüchel & Stina Gardell. Fotografia:
Eva Dahlgren & Malin Korkeasalo. Música: Eva Dahlgren & Michael Nyman.
Montagem: Dominika Daubenbüchel.
Documentário que privilegia o lado
pessoal de Ingrid em relação aos filmes dos quais participou e seu convívio com
a comunidade hollywoodiana. Guiado pelos diários da atriz, recorte bastante
recorrente em produção biográfica recente, conta com o apoio sobretudo de seus
filhos de suas duas primeiras uniões que traçam como que uma justificativa para
sua trajetória tendo como “motivação” a morte de todos os seus familiares
próximos já em 1929, com a morte do pai – seus irmãos não haviam tampouco
vingado, sua mãe morreu quando tinha três anos e dela não guarda lembrança. E,
mais especificamente, de associar seu gosto de ser filmada ou fotografada como
um ato de entrega para a figura que a primeiro a registrou, o pai. Tão ou mais
importante quanto seus diários, são as filmagens amadoras realizadas por ela ao
longo de sua vida e que se somam às que já eram efetuadas pelo próprio pai,
proporcionando uma iconografia dela em praticamente todas as épocas, algo
incomum para os tempos em que viveu – sobretudo sua infância na segunda década
do século, quando ainda tão poucos tinham acesso a produzir sua própria imagem
em movimento. Já de início Bergman comenta sobre as mulheres que foram
fundamentais para ela se tornar quem foi: Ruth Roberts, tradutora de origem
sueca que a ajudou a compreender não apenas a língua e seu sotaque, mas também
a cultura norte-americana; Irene Selznick, mulher do célebre produtor David,
que a inseriu socialmente na colônia cinematográfica e Kay Brown, sua agente.
Imagens de felicidade doméstica são elaboradas para a câmera a partir das
filmagens em 16 mm (boa parte delas em cores) que contemplam tanto o período em
que ainda se encontrava casada com o médico sueco Petter Lindström, com quem
teve sua primeira filha, Pìa, como sua união com Roberto Rossellini, que gerou
um dos maiores escândalos envolvendo uma atriz de sua dimensão à época. A união
da queridinha da América com o fauno italiano quando ambos ainda se encontravam
formalmente casados, deixando marido e filha para trás no caso dela, chegou a
ser comentada no Senado americano (“das cinzas de Ingrid Bergman surgirá uma
Hollywood melhor”). E também imagens extra-muros domésticos como as da viagem
que empreendeu com Lindström pela Europa em 1938 e que os flagra próximos ao
carro e à margem de uma manifestação da
Juventude Hitlerista. Imagens de arquivo apresentam uma corajosa Ingrid, indisposta
a capitular diante da capciosa pergunta de um jornalista quando de uma coletiva
de seu retorno aos Estados Unidos sete anos após sua partida se se arrependia
de algo que havia feito. Ou ainda Ed Sullivan em seu célebre programa indagando
do público americano se desejava ou não a presença da “controvertida” atriz no
mesmo. Existem referências breves a suas ligações amorosas com o realizador
Victor Fleming e o fotógrafo Robert Capa, mas de uma maneira geral se evita
tocar em assuntos polêmicos como política (sua simpatia pelos republicanos) e
se cria uma curiosa tensão entre um filme que celebra o centenário do
nascimento de um dos maiores mitos femininos do cinema e a presença constante
dos que dela foram íntimos, sobretudo seus filhos que, em meio ao fogo cruzado
da persona pública e da figura materna, desfiam em maior ou menor grau certo
ressentimento contido pela sentida ausência dela na infância e adolescência,
sendo a voz mais presente nesse sentido a de sua primogênita, de rosto
aparentando bem menos que seus então inacreditáveis 77 anos. Dos filhos que
teve com Rossellini, Isotta é a que menos fala, Robertino o que tem as tiradas
mais engraçadas (como a de seu terror, quando criança, de testemunhar a mãe ser
“queimada” diante de si, no palco, numa de suas encarnações de Joana D’Arc) e
Isabella, compreensivelmente, a quem mais contribui e a mais reflexiva sobre o
papel da mãe em sua relação com o cinema – teria aprendido de Renoir, o papel
social do cinema para além de seu imperativo pessoal de fugir do cansaço de si
mesma e de seu mundo. Pontuado por frases da própria Bergman, o filme parece ir
além do mero exercício de encomenda, provavelmente produto de alguém de grande
admiração pela atriz, que não se rende a uma metragem mais diminuta ou
sintética e que, via de regra, consegue sustentar tal capricho sem a
necessidade de qualquer ousadia formal. Ao menos em dois momentos enquadra e
entrevista coletivamente primeiro os três filhos com Rossellini e,
posteriormente, Sigourney Weaver, assistente de produção em uma montagem
teatral com Ingrid, Isabella e uma irreconhecível Liv Ulmann – sobre Sonata de Outono, os bastidores da
filmagem, entrevistos aqui, dão compreensão a Ingrid de quão difícil era ela
própria no trabalho. Fiel ao que Isabella Rossellini expressa nesse momento, o
filme guarda um lugar de nota de rodapé para o universo hollywoodiano,
completamente secundário em relação ao que escreve sobre os filhos.
Chimney/Mantaray Film. 114 minutos.
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