Filme do Dia: Caminho para o Nada (2010), Monte Hellman
Caminho para o Nada (Road to Nowhere, EUA, 2010). Direção: Monte Hellman. Rot. Original:
Steven Gaydos. Fotografia: Josep M. Civit. Montagem: Céline Ameslon. Dir. de
arte: Laurie Post, Callie Andreadis & Araceli Lemos. Figurinos: Chelsea
Staebell. Com: Shannyn Sossamon, Tygh Runyan, Cliff De Young, Waylon Payne,
Dominique Swain, Rob Kolar, Michael Bigham, Fabio Testi.
O cineasta Mitchell
Haven (Runyan) pretende realizer uma produção modesta, sem estrelas de
Hollywood, mas garantindo a integridade de sua idéia inicial, a respeito do
misterioso crime de uma mulher. Para a atriz principal é contratada uma bela
jovem Laurel (Sossamon), por quem Haven se envolve emocionalmente, e que é
grandemente parecida com a própria jovem assassinada. Um consultor da equipe,
Bruno Brotherton (Payne), tenta seguidamente alertar o cineasta sobre sua atriz
principal ser uma farsante, envolvida com o crime. Ela tenta pressionar
Mitchell a demitir Brotherton, o que ele termina por fazer. Após seu
afastamento da equipe, ele visita o quarto do casal, e mata a garota sendo morto por Mitchell que, preso,
apresenta a versão final do filme para Nathalie Post (Swain), outra integrante
da equipe.
Levando ao limite
do incomensurável a teia entre realidade e ficção, habitualmente bastante bem
delimitada em filmes que, como esse, abordam o cotidiano do processo produtivo
de uma filmagem, Hellman (cineasta considerado cult sobretudo por conta de duas
produções dos anos 1970, Galo de Briga e
Corrida sem Fim), faz uso de seu
habitual distanciamento emocional que, somado a própria dificuldade programada
de se ter acesso a elementos lacunares da trama, além do fato de não lidar com
astros hollywoodianos como habitual (referência como essa devidamente
apropriada pela figura de seu jovem e belo alter-ego), tornam-o potencialmente
pouco voltado para a simpatia de um público mais amplo. Hellman, que como boa parte
dos cineastas de maior talento autoral e influência dos cinemas novos europeus
que despontou com maior destaque nos anos 1970, sentiu o impacto em sua própria
carreira, do retorno a referência maior de produções visando grande lucro, a
partir de meados da década, tendo muitas vezes realizado produções mais
associadas a filmes de gênero menores. Aqui,a inexistência de trilha sonora, a
intricada teia entre ficção e realidade, parece extrapolar a determinado
momento, os próprios limites da diegese auto-imposta, com um Mitchell filmando
aparentemente a própria equipe de Hellman no momento do crime. Ou seria apenas
o próprio filme observado sob a perspectiva da mente atormentada de seu
protagonista, como boa parte dos mind
games contemporâneos? Alusões ao universo do próprio cinema surgem
esporadicamente ao longo da trama, sejam diretamente nas sessões de filmes
assistidos pelo casal Mitchell & Laurel (As Três Noites de Eva, O Sétimo Selo, O Espírito da Colméia),
seja nas referências as possibilidades de contratação de Di Caprio ou Scarlett
Johannson), ou indiretamente em referências a filmes tão diversos quanto o
clássico Crepúsculo dos Deuses
(1950), no momento em que o cineasta filma a chegada dos policiais que irão
prendê-lo ou Cidade das Ilusões
(1972), de Huston, ao incluir a canção Help
me Make Through the Night, do mesmo, em seu prólogo. A relação, em última
instância, ambígua, entre ficção e realidade, a partir da própria diegese,
torna-se complexificada pela incorporação de imagens dentro de imagens, como é
o caso mais evidente da tela de computador, numa dimensão de mise en abyme evocativa do cinema noir
um dos gêneros que, juntamente com o cinema moderno, Hellman demonstra ser
tributário nessa produção. É evidente que o filme tampouco possa ser pensado
sem o que David Lynch realizou anteriormente, ainda que o estilo conciso de
Hellman não precise fazer uso de uma referência fantástica ou sobrenatural para
justificar seu estranhamento. Tigers Den Studio para Monterey Media. 121
minutos.
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