Filme do Dia: Timbuktu (2014), Abderrahmane Sissako
Timbuktu (França/Mauritânia,
2014). Direção: Abderrahmane Sissako. Rot. Original: Abderrahmane Sissako &
Kessen Tall. Fotografia: Sofian El Fani. Música: Amin Bouhafa. Montagem: Nadia
Ben Rachid. Dir. de arte: Sebastian Birchler. Com: Ibrahim Ahmed, Toulou Kiki,
Layla Walet Mohamed, Abel Jefri, Mehdi A.G. Mohamed, Hichem Yacoubi, Kettly
Noël, Fatoumata Diawara.
Grupo
de jihadistas islâmicos perturba os hábitos de uma pequena comunidade que vive
na região de Timbuktu. Dentre os incomodados se encontram Kidane (Ahmed) e sua
esposa, Satima (Kiki). Ele é caçador e seu maior amor é pela família, que
inclui ainda a menina Toya (Walet Mohamed). Como no caso de outras mulheres, Abdelkerim
(Jefri) ocasionalmente visita a tenda de Kidane quando esse se encontra fora,
advertindo sua mulher para usar o véu sem sucesso. Na cidade flagram um grupo
executando músicas, o que é proibido, sendo que a cantora (Diawara) e seu
parceiro são executados de forma bárbara após julgamento sumário. Kidane tem sua vaca de estimação morta por um
pescador quando ela vai beber água no rio. Um conflito surge entre os dois que
resultará igualmente em sua prisão e condenação com a pena máxima.
Sissako,
em chave completamente distinta de seu curta Outubro, realizado em início de carreira, aborda de forma sobretudo
realista os conflitos entre uma comunidade tradicional e a infiltração de um
jihadismo demasiado enviesado ideologicamente e internacionalista. A separação
aqui é bem demarcada pela negação dos religiosos da luta armada e do controle
obsessivo sobre a moral local. Aliás, talvez o que exista de mais interessante
no filme resida justamente na descrição dessa negociação que não procura, de
imediato, oferecer-se como imposição violenta, resistindo atacar a mulher que
vende peixes no mercado e recusa o uso de luvas imposto pelo grupo jihadista,
acatando o pedido do imã de sair do templo no momento em que vários homens
oram, por se encontrarem calçados e com armas em punho ou ouvindo da mulher de
Kidane que não olhem para o seu cabelo, quando ela o penteia junto à filha. Uma
cena, talvez a única de fato particularmente comovente do filme, apresenta um
belo número musical ser interrompido bruscamente pela ação jihadista. A
violência oferecida pelo grupo oscila entre o chocante apedrejamento do casal
que cantava músicas enterrado até a cabeça e o assassinato, dramaticamente mais
convencional do casal protagonista numa cena evocativa de Roma: Cidade Aberta, ainda que longe de possuidora do mesmo
potencial pathos. Decepcionante banal
em sua estruturação dramática, o filme abandona a sutileza e a elaboração
estilizada de seu curta por uma postura mais crua e abertamente ideologizada
que também já se pressentia em outro curta menos interessante realizado no
momento inicial da carreira do realizador, O
Jogo, mesmo esse, com todas suas fraquezas, apresentando uma leitura menos
literal de conflitos similares. Uma proposta de descrição semelhante dos
conflitos internos de uma comunidade de valores divididos, aqui ressaltada
inclusive pela babel linguística – a determinado momento, o pedido à mãe de uma
filha em casamento tem que ser duplamente traduzido até se fazer compreender,
mas mais interessante do que a aqui exposta é a do realizador argelino Rabah
Ameur-Zaïmeche (Bled Number One).
Les Films Du Worso/Dune Vision/Arches Films/Arte France Cinéma/Orange Studio.
97 minutos.
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