Filme do Dia: As Canções (2011), Eduardo Coutinho
As Canções (Brasil, 2011). Direção: Eduardo
Coutinho. Fotografia: Jacques Cheuiche. Música: Valéria Ferro.
Um grupo de selecionados interpreta canções
que marcaram suas vidas. A maior parte desses selecionados é de pessoas de idade
bem avançada, via de regra as canções estão vinculadas a uma relação afetiva
heterossexual (apenas em dois casos, um homem e um jovem associam as canções
com a mãe idosa, lembrando sua infância e ao pai já morto), e em um número
considerável de casos tais canções acabam dizendo respeito a relações não
concretizadas de todo por motivos diversos, nos quais a figura da mulher se
refere a uma ausência masculina. As interpretações são marcadas pela
intensidade e “entrega” ao momento que tem caracterizado a filmografia do
realizador, que já gestou talvez obras em que tal entrega ganhava um viés mais
passível ao ridículo, ou mesmo era menos intensa, como em muitos dos exemplos
de Edifício Master. Aqui, blindadas
de certo modo pela revelação do que aparentemente são sentimentos mais
“nobres”, neutraliza-se em boa parte o que potencialmente se aproximaria do
humor involuntário e aproxima-se de forma menos ambígua do que efetivamente
possui uma dimensão bem humorada, caso de Queimado, morador de comunidade pobre
do Rio, que relembra como conquistou sua atual esposa. Ainda que clássicos do bolero (a exemplo de Perfídia) e Noel Rosa seja evocado mais
de uma vez, e um clássico da Bossa Nova, Retrato
em Branco e Preto, sirva como mote para um relacionamento percebido como
natimorto já em seu princípio (“já conheço os passos dessa estrada/sei que não
vai dar em nada”) são as canções de Roberto Carlos que surgem com maior
frequência, nada menos que cinco vezes, ilustrando momentos de extrema emoção
seja o desejo de matar o amante ou a descoberta de que a “canção do casal”, na
verdade, estava sendo igualmente compartilhada com outra mulher. Com fundo
negro, câmera fixa, iluminação mortiça e os depoentes falando diretamente para
o realizador e obliquamente para a câmera, observa-se muitas vezes a “entrada e
saída de cena dos mesmos”, por vezes acompanhados de um gestual mais enfático,
por outras, como é o caso da mulher que tentara matar o amante, pelo choro
convulsivo nos bastidores. Por mais que a origem humilde da maior parte dos mesmos
facilite talvez o desejo de entrega, não se trata de uma regra, com umas poucas
presenças de classe média e até mesmo uma alemã que se “curou” da rejeição de
um amor escutando sambas. Evidentemente a prevalência, auxiliada em parte pela
construção da modesta mise en scene,
é de uma evocação mais melancólica do que propriamente proativa. Mesmo no caso
de histórias de amor descritas como relativamente bem sucedidas, tem-se o
elemento da morte do parceiro já ocorrida, sendo o fantasma da ausência (do companheiro
morto ou nunca devidamente conquistado) que demarca a tônica do filme.
Videofilmes para Espaço Filmes. 90 minutos.
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