Filme do Dia: A Montanha Sagrada (1926), Arnold Fanck

A Montanha Sagrada (Der Heilige Berg, Alemanha, 1926). Direção, Rot. Original e Montagem:  Arnold Fanck. Fotografia: Sepp Algeir, Albert Benitz, Helmar Lerski & Hans Schneeberger. Música: Edmund Reisel & Edmund Reisch. Dir. de arte: Leopold Blonder. Com: Leni  Riefensthal, Luis Trenker, Ernest Petersen, Frida Richard, Hannes Schneider.
Diotima (Riefensthal) é uma garota do litoral que vai até as montanhas apresentando um número de dança que empolga a todos, particularmente os amigos Karl (Trenker) e Vigo (Petersen). Karl, mais velho, decide se unir a Diotima, e iniciá-la nos esportes de inverno. Sua velha mãe (Richard), não aprova a relação entre ambos, embora tolere Diotima. Karl passa o dia praticando alpinismo, única atividade que não permite que Diotima o acompanhe. Enquanto isso, Diotima acompanha as vitórias do jovem Vigo, que se encontra apaixonado por ela. Ao retornar para casa, Karl encontra um homem com a cabeça deitada no colo de sua amada. Ele não sabe se tratar de Vigo. Seu mundo desaba. Transtornado, chama Vigo para a suicida missão de escalar a face norte de um pico, mesmo com as condições climáticas adversas. Vigo, ainda com reservas, aceita a missão. Quando se encontram em uma situação limítrofe Vigo revela que se encontra apaixonado por Diotima, provocando a ira de Karl que acidentalmente, faz com que Vigo despenque e fique pendurado no enorme precipício. Karl se recusa a abandonar o amigo e fica toda a noite segurando a corda. Desesperada, Diotima ao saber do ocorrido, abandona o teatro e, percebendo que nenhum homem se dispõe a enfrentar as intempéries para avisar o grupo de alpinistas que se encontra no sopé da montanha, decide ir ela própria.  Ela avisa aos alpinistas que se divertem em uma taverna e todos partem em busca do seu líder. Eles o encontram já com o sol surgindo. Porém, quando Karl descobre que Vigo já se fora, decide pular da montanha.
Esse melodrama rasgado se inicia com imagens em câmera lenta da interação de Diotima com a natureza. Mesmo que a utilização da câmera lenta suscite comparações com o que a vanguarda contemporânea, sobretudo na França, efetivava com o mesmo recurso, aqui ele se encontra a serviço de uma narrativa tão infantil quanto seus protagonistas masculinos. Nessa ode a natureza, observa-se uma comunidade aparentemente intocada pela maldade humana, tão idealizado é o retrato bucólico e pastoral no qual convivem homens, animais e a esplendida natureza que os cerca de modo acolhedor. Tudo isso parece ruir com a chegada de Diotima. A energia que emana de sua dança mesmeriza os jovens protagonistas. Nessa adoração quase sobre-humana apenas um espaço fica negado a Diotima: as montanhas. Não paira qualquer dúvida sobre as formações rochosas simbolizarem uma dimensão fálica que, mesmo fascinando Diotima, fica restrita ao universo masculino. Há uma subliminar dimensão homo-erótica no fato de que Karl, desiludido da vida, resolver arriscar não somente sua vida, mas igualmente chamar inexplicavelmente o seu melhor amigo para a arriscada trajetória. Se o convite poderia ser compreendido a partir de sua desconfiança sobre Vigo como explicar então o seu auto-sacríficio final? Trata-se, evidentemente, do mesmo cimento moral que alimentaria a juventude hitlerista pouco depois e que, na história, é explicado pela boca de um ex-rival de Vigo em um campeonato de salto com esqui, que afirma sobre a solidariedade entre os alpinistas ter sido o motivo de seu ato de desespero. Não é preciso muita argúcia para se perceber que o estilo e a história  que permeava esse gênero, os chamados “filmes de montanha” (bastante admirados por Hitler, que tinha em Fanck seu cineasta predileto) antecipam boa parte do cinema nacional-socialista de dimensões estéticas mais pretensiosas, como o da própria Riefensthal na década seguinte. O campo como bastião de uma moralidade ainda intocada pelos valores cosmopolitas da cidade, a interação com a natureza que propicia um contato que vai além da compreensão das pessoas mais limitadas (como a mãe de Karl, que não consegue compreender a obsessão do filho pela sensação vitoriosa de observar o mundo do alto), a camaradagem e lealdade a toda prova entre os pares. Dito isso, sobra a previsibilidade do enredo, do triângulo amoroso que se esboça já no momento da apresentação teatral ao final trágico da relação amorosa, antecipado pela declaração da ciosa mãe de Karl  de que “pedra e mar” não se combinam, a se referir a sensibilidades distintas, formadas a partir de suas origens geográficas diversas, do filho e de sua amada. A imaturidade masculina, estampada no simplório sorriso e admiração do mais jovem, que se aninha no colo de sua amada, tampouco deixa de ser advertido mais uma vez pela mãe. Quando Diotima se defende da acusação da mãe de que namorava os dois jovens ao mesmo tempo e essa diz que Vigo é somente uma criança, a mãe retrucará imediatamente que “todos os homens são crianças”. Não há como negar, no entanto, a destreza com que Fanck filma seus magníficos cenários, sendo a monumentalidade de seus despenhadeiros seja no litoral, seja nas montanhas cobertas de neve, evocativos dos cenários não menos babilônicos que eram construídos contemporaneamente em outros filmes de maior repercussão internacional tais como A Morte Cansada (1921) ou Metropolis (1927). Seu estilo visual, de pretensões épicas, com ondas de mar se quebrando lentamente contra os rochedos ao início ou ainda as nuvens em câmera acelerada (antes de O Homem com a Câmera) a emoldurarem as montanhas,  resulta menos na poética conseguida a partir do drama humano em meio a natureza, como em Flaherty, do que do kitsch, muito bem representado nos rompantes de alegria que tomam o corpo de uma deslumbrada Diotima/Riefensthal em seu início. Trata-se aqui de uma versão restaurada em 2001, de muito boa qualidade. Berg-und Sport Film/UFA. 106 minutos.


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