Cristiano Burlan, um relato de vida – 4
JC – O que ele faz?
CB – Ele estudou
jornalismo. Ele não tinha o 2º grau completo, comprou o diploma para
fazer o vestibular. Ele se formou, com louvor até. Trabalhou em São
Paulo e agora ele voltou para a Paraíba, Campina Grande. A família dele é
de lá e de Pernambuco. Casou e leva uma vida aparentemente tranquila
mas é uma pessoa transtornada por tudo o que passou, assim como eu.
[...] É um grande amigo, sempre me coloca num lugar que não deixa cair
no conforto, como essa agora de ganhar o prêmio...
JC – Vocês comentaram o sucesso do filme?
CB
– Eu o levei pro Rio, o É tudo verdade colocou a gente num lugar
confortável. Ele saiu à noite, às 4 da manhã o porteiro avisa: seu amigo
tá aqui com 4 putas e um traficante, querendo subir. Desci e resolvi.
Ele subiu, falou: 2º não me dê lição de moral que lhe conheço muito bem;
2º se não fosse minha entrevista o seu longa que ganhou o prêmio seria um curta. Aí eu me calei!
Eu
sei que ele poderia fazer qualquer coisa e seria brilhante. Mas ele é
autodestrutivo! Completamente autodestrutivo, eu sou assim também, todos
os homens da minha família são assim. Eu tento controlar esse animal
selvagem, esse animal selvagem que está dentro de mim e me acompanha
sempre. Eu não posso relaxar um segundo, senão já teria morrido.
JC – Que tipo de autodestruição?
JC – Física e mental. Às vezes a vida pesa! É que eu gosto da vida, mas ela pesa...
JC – Praticar que ações?
CB
– O próprio suicídio de repente. Como esse meu amigo fala, quando você
nasce nesse lugar, dá uma raiva das coisas, ta ali em você. Tá sempre
prestes a explodir. Você vê a vida, parece que ta tranquilo, mas as
coisas por dentro tão podres, tão fora do eixo. É difícil encontrar
poesia e beleza nessas coisas, no feio, é fácil encontrar no belo,
óbvio. Tem que ter um olhar generoso para encontrar poesia e beleza
nessa sujeira toda.
JC – Você está com raiva de estar aqui nesse momento, no centro da cidade nesse puta prédio?
CB
– Às vezes. Quando estou jantando no Dona Onça, eu me lembro de pessoas
próximas, como meu irmão que tá preso na cela com 40, às vezes come
comida estragada e é torturado lá dentro, sempre me passa pela cabeça.
Como conviver com isso?
Ele me liga lá de dentro. De vez em quando mando dinheiro.
JC – Ele foi preso onde?
CB
– Em São Paulo. Dos 14 aos 18 ele ficou na Febem – 18 e uma semana foi
pro primeiro presídio. Aí ele conseguiu um advogado e foi solto. Chegou a
Uberlândia, foi preso de novo, na casa da minha mãe. Ela durante 2 anos
conseguiu enxergar o presídio onde o filho tava preso. Ele foi solto e
um dia ele me ligou, falou: tô preso aqui em Cuiabá. Quando recebo uma
mensagem ou uma ligação de lá, minha sensação é que eles vão me avisar
que ele morreu. É o meu maior medo, não sei se consigo... outra morte,
isso me assombra.
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