Filme do Dia: Corisco & Dadá (1996), Rosemberg Cariry
Corisco & Dadá (Brasil, 1996). Direção
e Rot. Original: Rosemberg Cariry. Fotografia: Ronaldo Nunes. Música: Toinho
Alves & Quinteto Violado. Montagem: Severino Dadá. Dir. de arte: Jefferson
Albuquerque & Zé Tarcísio. Figurinos: Renato Dantas. Com: Chico Diaz, Dira
Paes, Chico Alves, Regina Dourado, Maíra
Cariry, Virginia Cavendish, Chico Chaves, B. de Paiva, Teta Maia, Denise
Milfont, Luís Carlos Salatiel.
1927. Sertão da
Bahia. Corisco (Diaz), um dos mais temidos cangaceiros, chega numa propriedade
para acertar contas com um velho homem (Paiva). Acaba se dando por satisfeito
em não matá-lo mas carregar consigo sua filha adolescente (Cariry), e
violentá-la. Inicialmente avessa aos carinhos de Lampião, Dadá (Paes) acabará
por se tornar sua fiel companheira. Juntos enfrentam tanto os reveses da seca,
perseguições das volantes, violência contra comunidades sertanejas e perca de
três filhos, quanto os momentos de alegria como quando são registrados por Benjamin
Abraão, cinegrafista recomendado pelo Padre Cícero e as festas e troças
realizadas pelo bando, assim como seus encontros com o bando de Lampião. A
morte de Lampião, pressentida por Dada, torna-se igualmente um presságio para o
próprio fim de Corisco. Com a morte do terceiro filho, Corisco pratica atos de sanguinolência que ultrapassam seus próprios limites, sendo
admoestado por Dadá. Após um enfrentamento no qual sai ferido e tem vários de
seus companheiros mortos ou desertados, Corisco abandona o cangaço e vai viver
com Dadá e sua filha como qualquer outro sertanejo. É morto pelo
chefe da polícia volante Rufino, que o perseguia há muitos anos.
Narrado a partir
dos dias contemporâneos à produção pelo que seria a filha do casal de cangaceiros,
cuja fala pontua toda a narrativa e apenas se revela ao final sua identidade.
Ainda que irregular, demonstra uma aproximação do cineasta do domínio de uma
narrativa mais afinada com o grande público e mais bem sucedida que sua
empreitada posterior, Lua Cambará, com a mesma dupla
principal como atores, cujo padrão de
produção ainda mais bem conseguido não esconde um certo academicismo inócuo.
Aqui mesmo longe de não apresentar soluções inadequadas, como o núcleo
contemporâneo do enredo, que soa inverosímil tanto enquanto estilo narrativo
quanto no incômodo do descompasso entre a empostação de Dourado diante dos
rostos e posturas dos populares que a cercam, tampouco inexiste o oposto. Nesse
sentido, são dignos de nota a seqüência da perseguição de Dadá por Corisco logo
ao início, a mais bela do filme, quanto sua explicitação do convívio tão
próximo entre morte e vida no sertão, representados por breves planos de
detalhes tanto de plantas quanto de animais da região, quanto igualmente dos
esqueletos dos últimos. Ou ainda a própria explicitação do sanguinário sem
maiores eufemismos, no qual aos seres humanos não resta uma sorte muito diversa
da brutalidade praticada ou sofrida pelos animais. Dimensão que já se incorpora
desde a mais tenra infância, através de crianças que ganham de presente as
órbitas de um cabrito recém-extraídas para fazerem de bolinhas de gude ou que
brincam com os ossos dos animais mortos. Talvez a maior virtude do filme seja o
de evitar qualquer pré-julgamento moral das ações de seus personagens, evitando
tanto retratá-los enquanto bárbaros como heroicizá-los pura e simplesmente – se
a volante é descrita resumidamente como patética em seus anseios de glória e
riqueza, tampouco essa visão reducionista chega a ser um empecilho, no sentido
de que nem mesmo chegam a ter seus perfis psicologicamente elaborados. Por
outro lado, demonstra a força da mulher dentro do grupo, encarnado por uma Dadá
que se encontra longe de ser uma mera vítima de sua condição feminina. Numa das sequências de diversão do bando, o Cego Aderaldo vê sua projeção de uma Paixão
de Cristo do início do século ser
interrompida pelos tiros do próprio bando de cangaceiros contra a tela em que
Jesus era vítima das torturas. Enquanto outra leitura “realista” foi realizada
por Massaini com seu Corisco, Diabo Loiro
(1969), o personagem foi retratado por outro viés, épico e pouco afeito a qualquer
verosimilhança rasteira, imortalizado por Gláuber Rocha, com seu Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964),
ao qual Cariry presta seu tributo, sem muito efeito dramático, ao fazer menção
aos rodopios do personagem vivido por Othon Bastos no filme de Gláuber. Nos
créditos iniciais, cenas mais longas que as habitualmente vistas dos registros
cinematográficos realizados por Benjamin Abraão com Lampião, tema para outra
produção contemporânea, Baile Perfumado.
Cariry Prod. Artísticas para Riofilme. 103 minutos.
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