Filme do Dia: A Felicidade Não se Compra (1946), Frank Capra
(Segunda Versão) A Felicidade Não se Compra (It’s a Wonderful Life, EUA, 1946). Direção Frank Capra. Rot. Adaptado Frances Goodrich. Albert Hackett & Frank Capra, a partir do conto de Philip Van Doren Stern. Fotografia Joseph F. Biroc & Joseph Walker. Música Dimitri Tiomkin. Montagem William Hornback. Dir. de arte Jack Okey. Cenografia Emile Kuri. Figurinos Edward Stevenson. Maquiagem Gordon Bau. Com James Stewart, Donna Reed, Lionel Barrymore, Thomas Mitchell, Henry Travers, Beulah Bondi, Frank Faylen, Ward Bond, Gloria Grahame, H.B. Warner, Frank Albertson.
George
Bailey (Stewart) é uma das poucas forças a não se render ao imenso poder e
capital financeiro do Sr. Potter (Barrymore), na pequena Bedford Falls. Um
talento promissor na época de estudante e apaixonando-se por Mary (Reed). Sua
ideia de uma turnê mundial é suprimida diante da morte súbita do pai, tendo ele
que assumir seu lugar e lutar para que o empreendimento, bastante solidário com
os moradores locais, não seja extinto por Potter, um dos membros do conselho.
George consegue se sobrepor aos interesses do amigo mais bem situado
economicamente, e por quem a mãe de Mary preferia, Sam (Albertson). Mesmo
vivendo com restrições e sem maiores luxos, a situação de George é estável até
que seu empregado, Billy (Mitchell) faz um depósito de 8 mil dólares justamente
para Potter e não para a companhia de Bailey. Em plenos preparativos para o
natal, George se vê atormentado diante da possibilidade de repercussão da
notícia junto à população que sempre confiou nele e pensa em suicídio. Um anjo
de segunda categoria, Clarence (Travers), demonstrará como a vida de muitos foi tocada e
beneficiada pela presença de Bailey, observando um mundo como se ele não
houvesse existido. Ao retornar para a casa, após vivenciar esta realidade
paralela, ele se emociona ao reencontrar os filhos e a esposa, mesmo com uma
ordem judicial para leva-lo preso, o que não ocorre com a chegada do dinheiro
que foi arrecadado junto à população, além de uma generosa doação do amigo Sam.
É interessante o quanto este tolo e pueril conto eivado de sentimentalismo seja guindado como um dos grandes do cinema clássico americano, como uma espécie de relicário de uma ética desaparecida ou puramente idealizada. Pois de longe Capra se saiu melhor com material menos pretensioso, sobretudo na década anterior (Aconteceu Naquela Noite, O Último Chá do General Yen). E é curioso que tal aclamação tenha se dado em um pós-guerra não muito afeito a parábolas açucaradas ou visões demasiado românticas do Sonho Americano, não por acaso sendo este o canto de cisne de seu realizador, em termos de reconhecimento massivo de público e/ou crítica. Seu “conto de natal” de colorações dickensianas – e existe algum personagem mais próximo de Scrooge que o birrento Sr. Potter, simbolizando uma ampliação da avareza para os monopólios, aos quais os próprios estúdios eram parte e iriam sofrer ações judiciais em poucos anos?; e até mesmo com momentos de flerte com A Pequena Vendedora de Fósforos, é uma fantasia autocomplacente, cujo título brasileiro apenas prejudica ainda mais. Mais seja no seu título original, seja no tupiniquim, o dinheiro é sim a solução para a angústia premente de George. Quem torna a sensação duradoura de aconchego familiar não é a passagem de sua vida “como um filme”, ordenado por um anjo amador – solução mais moderna que a revisitação pós-moderna do tema por Wenders em Asas do Desejo, assim como o nome do mesmo, distante de um dos tradicionais nomes que vem a ser chamado no filme alemão, mas a certeza de contar com um capital maior do que ficara, após a trapalhada de um de seus funcionários. E a depender de quem fosse a testemunha do gesto desesperado deste, em conjunto com uma ponte e um rio de águas congelantes, seria indubitavelmente mais realista uma tirada como a do policial que flagra Joan Crawford em situação similar ao início de Alma em Suplício. E dentro da controvertida, para não dizer confusa, elegia à América provinciana – aquela que curiosamente surge como ameaçada por alguém local e não de fora e capaz de provocar uma ameaça aos costumes e as famílias, como demonstram a existência de uma mini-Broadway na cidadela, sabe-se lá por quais motivos impedida de vir a tona pela presença de Bailey – quem irá de fato trazer uma folga financeira para ele ao final, não é a população local, reunida em plena noite de natal, numa nada verossímil ação solidária (neste quesito, a afirmação do maldoso Potter estaria mais próxima do real), mas o amigo que se rendeu ao mundo corporativo e mora em Nova York! Porém a evocação da história recente americana, menos a da guerra, apenas brevemente citada, que a da Grande Depressão, assim como um idealismo que busque maior justiça social, mesmo que há anos-luz do Comunismo talvez cale fundo em seus corações – como fará, por exemplo, em um recorte bem mais específico, o personagem de Gregory Peck em O Sol é para Todos, tempos depois. Mais um sinal de que a vida é maravilhosa de ser vivida sem dívidas no horizonte é a transformação do personagem em marido-pai abusivo, quebrando temporariamente o espírito natalino que, subentende-se, somente poderia ocorrer dentro, ao menos, do padrão de vida conquistado pela família e não transformado pela rejeição de uma fortuna oferecida por Potter para eliminar de vez a concorrência, como se esta se fizesse possível. Uma derivação do cinema brasileiro foi Tudo Azul. National Film Registry em 1990. |Liberty Films para RKO Radio Pictures. 130 minutos.
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