Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#86: Elia K. Schneider

 



SCHNEIDER, ELIA K. (Venezuela, 1952-**). Um excelente exemplo de realizadora nascida na América do Sul que foi capaz de ser bem sucedida por conta de sua diversidade de habilidades e linguística, Elia Schneider dirigiu o primeiro filme venezuelano a arrecadar mais de um milhão de dólares de bilheteria, Huelepega: Ley de la Calle, em 2000. Após realizar um bacharelado em psicologia em 1978, viajou à Nova York e efetuou um mestrado em teatro e cinema na Tisch School of Arts, New York University (NYU), em 1982. Enquanto esteve por lá  dirigiu três filmes e, em 1984, de volta à Venezuela, produziu um longa para seu marido, José R. Novoa. Nos dez anos seguintes, escreveu e dirigiu peças sobretudo, na sua companhia teatral, Teatro Dramma, incluindo no teatro experimental La MaMa, em Nova York. 

Schneider produziu outro longa em 1994, e em 1999 finalmente dirigiu seu primeiro longa em Caracas, Huelepega, com um elenco infantil de crianças não profissionais nos papéis principais e filmagens em locações. Oliver (José Gregorio Rivas) é expulso de casa pelo seu pai bêbado e encontra garotos de rua, com quem aprende a sobreviver roubando e eventualmente se envolvendo no tráfico de drogas. Neste momento, os criminosos adultos surgem e Huelepega direciona à guerra de gangues envolvendo tiras corruptos, criticando nitidamente um universo urbano contemporâneo que conspira para destruir as vidas da juventude venezuelana. Schneider claramente tocou nos venezuelanos comuns com este filme, finalizando na sétima posição  da lista das maiores bilheterias para o ano de 2000 e arrecadando quase 1 milhão, um recorde para um filme local, ainda não superado. 

Huelepega venceu prêmios em mais de dez festivais internacionais de cinema e foi a indicação venezuelana para o Oscar de Filme em Língua Estrangeira. Uma poliglota - é fluente em espanhol, inglês, francês e hebraico, Schneider demonstrou sua habilidade para levantar fundos ao financiar Huelepega integralmente com dinheiro espanhol. Para seu filme seguinte, Punto y Raya (2004), também foi ao Chile e Uruguai para angariar fundos para a produção, assim como assegurou apoio venezuelano e de fundos de co-produção latino-americanos pelo programa Ibermedia. Com sua experiência com direção de elenco para os filmes do marido, ela encontrou o ator da TV venezuelana, Édgar Ramírez, para o papel de Pedro, soldado voluntário colombiano que se torna amigo (e posteriormente inimigo) com seu equivalente nas forças venezuelanas, Cheíto (Roque Valero, outro ator de TV). Schneider muito claramente encontrou uma forma de expandir o tema dos filmes venezuelanos para as perigosas fronteiras silvestres da Colômbia com a Venezuela, onde operadores do tráfico de cocaína, grupos paramilitares e guerrilhas de esquerda lutam pelo controle da região.

Cheíto é um traficante de drogas em Caracas, capturado e forçosamente conscrito no exército venezuelano para lutar na fronteira em guerra, enquanto o conservador Pedro acredita totalmente na ideologia do exército colombiano e é um personagem quase completamente oposto. Eles se encontram quando Cheíto deserta, e por força das circunstâncias se tornam aliados por um momento. Implausivelmente, para os padrões hollywoodianos, a rivalidade romântica e sexual se interpõe, mas a ação impressionante e esquema de cores desaturdas, nos quais tudo parece corresponder a camuflagem cáqui dos uniformes do exército, efetuados através de uma filmagem digital, encontram-se entre as façanhas de Punto y Raya. O filme venceu mais de vinte prêmios, incluindo Festival Internacional del Nuevo Cinema Latinoamericano (Havana), o Festival de Cinema de Gramado (Brasil) e o Festival Latino de Cinema de Los Angeles. Como o filme prévio de Schneider, Punto y Raya foi o indicado venezuelano ao Oscar, mas nenhum deles conquistou uma indicação. 

Agora, a maior parte do tempo baseada em Los Angeles, e claramente direcionada a realizar entretenimento no estilo hollywoodiano, Schneider surpreendentemente levou outros seis anos para dirigir outro longa, Des-autorizados (*) (Venezuela/Colômbia/Peru/Uruguai, 2010). Ainda mais surpreendentemente, este filme é uma produção artística, felliniana. Ao explorar o processo da escrita e atuação de uma peça, mas que contar uma "história", conecta-se mais  com a obra da diretora no teatro experimental que com seu trabalho no cinema. Felizmente, para as plateias venezuelanas em particular, que haviam apoiado seus filmes anteriores de forma expressiva, Schneider retornará a realizar produções mais comerciais, ainda que sérias.


Texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American Film. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 519-20. 

(*) N. do E: no IMDB consta com o título original de Desautorizados.

(**) N. do E: falecida em 2020. 

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