Filme do Dia: Pela Janela (2017), Caroline Leone

 


Pela Janela (Brasil/Argentina, 2017). Direção, Rot. Original: Caroline Leone. Fotografia: Claudio Leone. Montagem: Caroline Leone & Anita Remón. Dir. de arte: Juan Gribaldi. Cenografia: Agostina De Francesco. Figurinos: Julieta Gantov. Com: Magali Biff, Cacá Amaral, Mayara Constantino, Rony Koren, J. Barros, Paloma Contreras, Ivan Moschner.

Rosália (Biff), mulher sexagenária que há 30 anos trabalhava em uma fábrica, é subitamente demitida e entra em estado depressivo. Seu irmão, José (Amaral), que se encontra de viagem marcada no dia seguinte para a Argentina, convida-a para a mesma. Inicialmente relutante e carrancuda, Rosália volta a sorrir quando se vê envolta pela umidade e a escala das Cataratas do Iguaçu.

Talvez a maior graça dessa produção resida nas tomadas aparentemente espontâneas que realiza ao longo da viagem, numa ficção que se abre, mesmo que timidamente, para o real, como é o caso do baile de meia-idade que a dupla entra aparentemente sem saber de sua existência previamente ou o grupo de jovens que desfila com seus patins pelas ruas de Buenos Aires. Nesse filme que tenta, talvez com sucesso não mais que mediano, elaborar certa poética do cotidiano de baixa classe média, algo recorrente na filmografia brasileira contemporânea, de matizes os mais diversos (caso, por exemplo, de Arábia), evidencia-se a preocupação de José com a companheira de viagem, mas sem deixar de ressaltar o compromisso com a realidade nada economicamente folgada em que vivem (ele lhe adverte, sem sucesso, para não comprar uma panela, pois embora estejam indo de carro, voltarão de ônibus). Ou ainda o pouco diálogo existente entre os irmãos, e o pragmatismo um pouco duro de José, inclusive em sua fala. Em uma das poucas cenas verdadeiramente envolventes, enquanto Zé dedilha ao violão Anahy, Rosália passa a acompanha-lo cantando. Se o filme pretende mostrar o redespertar para a vida de Rosália, fá-lo de forma legitimamente modesta, a partir de pequenos indícios, como o fato dela vestir a camisa que ganhara em um bingo e anteriormente achara que não era para ela por ser demasiado chamativa. De fato a experiência sensível vivenciada pela personagem por mais que a extraia momentaneamente de sua tensão e ansiedade quanto ao futuro não provocará nenhum impacto em relação ao fato dela ter perdido o emprego e a estabilidade financeira, assim como provavelmente o maior motivo de sua existência. E, mesmo apresentando novidades à protagonista, em nenhum momento a viagem é exatamente algo que a retire de seu horizonte socioeconômico – o carro de luxo que José dirige será entregue a sua dona, ambos se hospedam em um cortiço popular com um entorno nada muito distante da periferia paulistana em que vivem. E quando indagada pela jovem argentina se está gostando de Buenos Aires, a resposta de Rosália é de uma sinceridade que apenas o espectador (minimamente atento, diga-se passagem), compreenderá. Ela afirma que não sabe e confirma sua preocupação com o retorno, quando de fato se deparará com o que lhe aguarda. Esse  momento de contato solidário de Rosália com a jovem argentina de Missiones é marcado pela simpatia tímida e falta de compreensão ocasional – como quando a garota fala em momento (“rato”) ou Rosália muito apressadamente passa a falar sobre como cuidara de sua mãe até a morte dessa. O olhar para o espaço de trabalho talvez seja demasiado canhestro. Para alguém que trabalhou tanto tempo, se não é impossível que seja dispensada da forma lacônica e fria como o foi, a falta de reação dos funcionários ao revê-la e, principalmente, o trato dela com seus subordinados soam pouco convincentes e talvez demasiado direcionados para ressaltar o quão imperativamente desumano é o mundo das relações de trabalho, quando observadas sob a ótica do indivíduo. Destaque para a boa interpretação de Biff. Filme de estreia de Leone.   Dezenove Som e Imagem para Vitrine Filmes. 88 minutos.

 

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