Filme do Dia: Era uma vez em...Hollywood (2019), Quentin Tarantino

 


Era Uma Vez em...Hollywood (Once Upon a Time...in Hollywood, EUA, 2019). Direção e Rot. Original: Quentin Tarantino. Fotografia: Robert Richardson. Montagem: Fred Raskin. Dir. de arte: Barbara Ling & Richard L. Johnson. Cenografia: Nancy Haigh. Figurinos: Arianne Phillips. Com: Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Margot Robbie, Emile Hirsch, Margaret Qualley, Timothy Olyphant, Al Pacino, Julia Butters, Dakota Fanning, Bruce Der, Mike Moh, Luke Perry, Lorenza Izzo, Kurt Russell, Clu Gulager, Brenda Vaccaro, Rafal Zawierucha, Damon Herriman.

1968. Em Hollywood, o ator decadente de séries para a TV e pequenos papéis no cinema Rick Dalton (DiCaprio), recebe um ultimato do produtor Marvin Schwarz (Pacino), para ir realizar westerns spaguetti na Itália. Ele desabafa com o amigo, motorista, dublê e faz-tudo Cliff Booth (Pitt). Rick é vizinho de um dos casais que se projeta maior futuro na  meca do cinema então, Sharon Tate (Robbie) e Roman Polanski (Zawierucha). Tate se encontra então deslumbrada com sua inserção na indústria do cinema. Cliff conhece uma garota nas ruas, Pussycat (Qualley), que lhe pede carona para um rancho onde se realizava anteriormente westerns e que o próprio Booth prestara seus serviços como dublê, hoje parte de uma comunidade hippie. Agosto de 1969. Rick e Cliff retornam da Itália, com Rick afirmando que terá que infelizmente se desfazer dos serviços de Cliff após os oito anos de parceria. Membros da seita do rancho, no entanto, foram orientados por seu líder, Charles Manson (Herriman), a atacarem a casa que ele conhecera quando lá se encontrava os irmãos Wilson, dos Beach Boys. Quando três deles se encontram preparados para agir, algo de inesperado ocorre.

Lidando com as expectativas habituais que as pulsões básicas relacionadas sobretudo à violência que se espera em um filme do realizador se satisfaçam, o filme por duas vezes golpeia o espectador de forma relativamente feliz, ao menos nesse intento. A primeira, no auge de seu deslumbramento prazeroso com a Los Angeles do final dos anos 60 (algo evocativa de O Segredo Íntimo de Lola, filmado justamente no período retratado) é um primor, ao menos até próximo do final da sequencia, em boa parte digna do Hitchcock de Psicose, pois faz com que todos imaginem que o velho George, proprietário do rancho no qual os hippies formaram sua comunidade,  já se encontra morto ou nem mesmo mais lá viva, quando ele não apenas lá se encontra como faz justamente o que Squeaky havia dito. Desnecessária talvez seja a forma como o final da sequencia se dá. E o que é pior, é que parece ser uma amostra, em escala reduzida, do que diz respeito ao próprio filme como um todo, bastante feliz em sua assumida sede de entretenimento e de voracidade cinéfila, com momentos de deleite digressivo, inserções de atores em filmes do passado, trilha de canções inspirada, assim como no seu balanceamento de uma nostalgia pelo não vivido que não deixa de apresentar o lado bem sucedido e o mal sucedido da indústria, assim como os que rejeitam por completo o sistema e mesmo talvez a sociedade. Tudo isso regado ao mais puro prazer e afirmação do deleite vicário e sem hipocrisia de um entretenimento que refuga o proselitismo. Quando se chega ao seu desfecho, o que se encaminhava para ser uma lúcida abordagem de uma época, e de um de seus mitos entranhados muito fortemente na cultura norte-americana, pela primeira vez enfrentado por uma produção de grande porte, transforma-se em pretexto para um efeito surpresa de gosto duvidoso, não apenas fantasioso, mas potencialmente conservador (em estilo não muito diverso do Bom Dia, Noite (2003), de Bellochio), no modo como transforma os membros da seita de Manson em zumbis merecedores de um tratamento dos filmes de horror de baixo orçamento que Tarantino tanto cultua. É pouco e parece desmerecer o conjunto da obra, mesmo quando tenha em vista poupar os familiares das vítimas de uma representação estilizada do massacre, ou o espectador de seu clima relativamente leve,  por mais que outras soluções fossem possíveis. Independente disso, é honesto afirmar que o filme sustenta sua longeva metragem unicamente por sua bossa vsual, incluindo a exuberante fotografia de Richardson, e o trabalho primoroso de direção de arte.  Como um tributo, a verdadeira Sharon Tate surge atuando em Arma Secreta Contra Matt Helm (1968), contracenando com Dean Martin, ao contrário de inserções outras de DiCaprio em material de época, seja como pretendendo que ele atuou em tais produções como ator, seja em meras referências a boatos de que teria atuado. Um dos estranhamentos dessa produção, que bem poderia ser expressão de uma mera dificuldade narrativa de encontrar outra forma de fazer a trama avançar, é a súbita aparição de uma voz over que acompanha o que aparentemente seriam os últimos passos de Tate e seus convidados em sua última noite de vida. Tarantino não deixa de fazer uso de uma convenção bastante comum, de retratar a filmagem de uma produção como um filme corrido, apenas interrompido pelo esquecimento das falas. Com seu desfecho imprevisto, o filme infelizmente põe panos mornos no que seria uma legítima visada crítica em relação aos muitos milhares de atores que vivem com dificuldade e não glamour a sua profissão. Bona Film Group/Heyday Films/Sony Pictures Ent./Visiona Romantica para Columbia Pictures. 161 minutos.

 

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