Filme do Dia: Um Domingo Maravilhoso (1947), Akira Kurosawa

 



Um Domingo Maravilhoso (Subarashiki Nichiyôbi, Japão, 1947). Direção Akira Kurosawa. Rot. Original Akira Kurosawa & Keinosuke Uekusa. Fotografia Asakazu Nakai. Música Tadashi Hattori. Dir. de arte Kazuo Kobo. Com Isao Numazaki, Chieko Nakakita, Atsushi Watanabe, Zekô Nakamura, Ichirô Namiki, Toppa Utsumi, Ichirô Sugai, Masao Shimizu.

Yuzo (Namazaki) e Masako (Nakakita) se deparam com a saída da fantasia, como único recurso para tentar driblar a forte penúria econômica vivenciada por eles, em um domingo no qual visitam uma casa-modelo para aluguel, um apartamento barato, que são desencorajados de viver por um de seus moradores, o zoo, um cabaré cujo proprietário é um conhecido de Yuzo, que se recusa a encontra-lo, um concerto de Schubert, no qual Yuzo se envolve em confusão e leva uma surra, o apartamento onde ele vive é o  e ruínas onde ensaiam o sonho de Yuzo de montar um café, diferenciado dos exisentes.

Há um tanto de didático na forma como se dispõe o drama do casal e é redundado por praticamente tudo o mais, sejam as composições visuais brilhantes, que fazem com que o casal observe uma casa sonhada como moradia, enquanto através de recortes dessa, observamos transeuntes a se deslocarem pela rua, em um contraste perspicaz do cotidiano ao fundo e dos dramas em primeiro plano, ainda defrontados com o de um outro casal que também visita a casa. Mesmo didatismo, praticamente teatral, com que o negociante do imóvel barato que vão conhecer para um possível aluguel, muda completamente de tom, quando o proprietário do negócio e seu senhorio, abre a porta para observar o que ele anda dizendo aos seus possíveis clientes. Ou que se contrapõe de imediato o pessimismo realista do homem contra a ânsia por um sonho para continuar seguindo com um mínimo de gana, por parte da mulher. E a guerra surge como uma mudança de ânimo por parte de Yuzo, que antes poderia ser mais aproximado da mulher em sua fantasia de vida em comum. Ou ainda como seus corpos curvos, sentados em barris, demonstram a angústia diante de decisões iminentes a serem tomadas. E que o pessimismo de Yuzo é rapidamente atravessado pelo grupo de crianças que jogam beisebol. E a lista a enumerar praticamente seria infinita, pois o filme se desloca por esses trilhos.  E esse didatismo é bem conforme ao imaginário dos melhores realizadores autorais que despontavam à época, como Bergman, embora com inflexões dramáticas bem distintas. Mesmo em suas interpretações, embora o cineasta nórdico possua forte influência do teatro, há um momento nesta produção nipônica em que se atua teatralmente, fingindo uma situação em um café imaginário, ao qual não falta, ao final, um público. E se a cena seguinte, dos dois em balanços, parece ser já uma encenação como disposta, a que segue as duas, leva a representação a um palco de fato, ainda que uma concha acústica abandonada. E como, ao menos desde os neorrealistas, há uma premência do tempo vivido e imediato que já se supõe a partir do próprio título, que sinaliza para um único dia na vida dos personagens. E o caráter agridoce da vivência desse domingo, pode ser observado também como uma ironia em seu título.  Tudo muito idealizado, inclusive a pobreza, e todos sinalizando um uníssono cuja linha única a expandir significado para o restante é a que se encontra com o casal. Todos possuem reações não mais que esperadas nessa harmonia. Mas tudo isso tem seu charme. Ainda que distantes da maior parte das obras neorrealistas significativas, inclusive em suas marcações bem mais convencionais dos tipos, como o garoto devidamente maquiado para representar a pobreza dos tempos, atrás de seu bolo de arroz, compartilha com estas um período de forte privação do pós-guerra, repleto de ruínas. Não apenas físicas. Ruínas  a partir de  soluções ostensivamente cenográficas, mais próximas da Hollywood de uns poucos anos antes.  E as soluções visuais, que passam pela absorção de formas geométricas nos enquadramentos – os quadrados que observamos os transeuntes fora da casa, o cano de cimento em que Masako se esconde do sol e Yuzo se debruça sobre, são ainda mais interessantes que o charme da redundância. Sétimo filme de Kurosawa, que já demonstra um perfeito domínio da técnica, apresentando movimentos vertiginosos de câmera quando necessários, como é o caso da investida de Yuzo no local do gangster que possui como referência, ou a delicadeza da decupagem que acompanha a ruína emocional de Yuzo após ter sido agredido em uma situação pública, e também diante de Masako. Dito isso, emenda-se o excessivo tom naif com o qual observa paternalisticamente a dupla, falta de pragmatismo diante da situação concreta que os flagela e a via de escape do sonho como única possibilidade de vislumbre de felicidade como demsiado cômoda para ser dramaticamente instigante. O que o uso rítmico do silêncio e outros artífícios, inclusive do lado de lá da câmera, por si só não atenuam. É o caso da esperada (e clichê) cena que Yuzo rege uma orquestra inexistente, mas passamos a ouvir a sua música, como se fossêmos um duplo de Masako. Sua atitude, sempre submissa e encorajadora, ao mesmo tempo que serve de esteio emocional para ele, também alimenta delírios, cujo dinheiro que os possibilitará nunca é minimamente esboçado. |Toho. 109 minutos.

 

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