Filme do Dia: Ninfomaníaca: Vol.2 (2013), Lars Von Trier
Ninfomaníaca Vol. 2
(Dinamarca/Alemanha/França/Bélgica/Reino Unido, 2013). Direção e Rot. Original: Lars
Von Trier. Fotografia: Manuel Alberto Claro. Montagem: Morten Hojberg
& Molly Marlene Stansgaard. Dir. de
arte: Simone Grau & Alexander Scherer. Cenografia: Thorsten Sabel. Figurinos: Manon
Rasmussen. Com: Charlotte Gainsbourg, Stellan Skarsgaard, Mia Goth, Jamie Bell, Shia LaBeouf,
Jean-Marc Barr, Udo Kier, Willem Dafoe, Connie Nielsen, Maja Arsovic,
Ananya Berg, Stacy Martin.
Joe (Gainsbourg)
continua a relatar suas experiências de vida a Seligman (Skarsgaard). De uma
situação mística associada ao seu primeiro orgasmo, quando criança (Berg), em que levita e tem uma visão
que Seligman identifica como associada não a Virgem Maria, como pensara, mas a
duas célebres figuras libertinas. Do desmoronamento de seu casamento com Jerome
(LeBouf), associado a seu crescente interesse por práticas de sado-masoquismo,
encontrando Jerome o filho numa situação de risco e sozinho em casa. Ele dá um ultimato
a Joe que, mesmo chorando, abandona a casa e busca o homem que regularmente a
espanca e a conhece apenas como Fido. Em meio a suas narrativas, Joe observa
que Seligman não possui qualquer envolvimento que não passe por suas
referências ao universo da cultura. Instigado por ela, esse afirma nunca ter
tido nenhuma experiência sexual, nem com homem nem com mulher, o que o torna o
ouvinte ideal para suas narrativas, já que não enviesadas por qualquer estímulo
erótico. Por fim sua associação com a criminalidade, através da sinistra figura
de L (Dafoe), que a contrata para que espanque e humilhe homens endividados. De
um deles (Barr), após quase esgotar o seu repertório de narrativas eróticas,
consegue extrair a culpa mesclada ao desejo a partir da fantasia suscitada com
um garoto encontrado em um parque. O pênis flácido até então, torna-se excitado
e Joe, apiedada de alguém que observa como semelhante a ela pratica o sexo
oral. Dafoe praticamente lhe impõe que faça uma sucessora. Trata-se de uma
jovem jogadora de basquete, P (Goth),
que possui uma deformação numa
orelha. Joe a adota como filha. Porém, logo essa demonstrará possuir todos os
requisitos que Dafoe alertara a partir de uma herança genética que inclui um
pai criminoso e uma mãe morta por overdose. Envolve-se numa relação lésbica com
Joe, quando essa já se encontra em vias de se aposentar de suas práticas
sexuais, de tão sofrido se encontra sua genitália e seu psicológico – lhe havia
sido infligido um tratamento para “dependentes de sexo”, que chega a esboçar
mas que revida altaneira, ao não se identificar com as posturas e métodos
extremamente repressivos adotados pelo mesmo. P se envolve com Jerome o que lhe
desperta algo a muito tempo esquecido, o ciúme. Humilhada por essa e um amante
ocasional, ao tentar mata-lo, Joe acena para uma aposentadoria de suas
aventuras. Acreditando ter encontrado pela primeira vez um amigo, na figura de
Seligman, é surpreendida com seu retorno à noite desejando fazer sexo com ela.
Menos
interessante que sua primeira parte, em grande parte por conta de seguir o que
já havia sido indicado naquele e, ainda por cima, sem a mesma vitalidade nas
digressões e situações apresentadas; algo que chega a ser apontado,
ironicamente pela própria Joe. E que se torna ainda mais problemático quando de
seu final, que apela para uma saída algo fácil diante da rica comunhão entre
opostos que se vai estabelecendo entre os dois protagonistas, a libertina e o
virgem, ambos socialmente excluídos e excludentes com suas escolhas. Mesmo que
a verve de contestação da personagem vivida por Gainsbourg surja na sua recusa
em encarar o que há de puritano, hipócrita, normativizante e repressor da
linguagem politicamente correta com relação a sua própria ninfomania, ao
tratamento associado aos negros ou as pulsões de um pedófilo, seu voto de
intenções em abandonar à própria sexualidade ao final sinaliza no sentido
oposto. Ou ainda a forma como Seligman pretende “justificar” os atos de Joe,
que seriam considerados com muita maior naturalidade caso fossem praticados por
um homem. Boa parte dos atores presentes como elenco de apoio regular nas
produções de Von Trier ressurgem aqui, tais como Udo Kier como o garçom que
atende a e Jerome no restaurante (sendo
que Kier também interpretava um garçom em Melancolia)
e Jean-Marc Barr, como o pedófilo que vê seu desejo aflorar a partir de um
relato de Joe. Von Trier poupa menos seu elenco da exposição de suas genitálias
e mesmo de evidentes cenas de sexo que no primeiro. O próprio episódio que leva
ao fechamento da narrativa circular é um tanto anêmico em relação a tudo que já
havia sido exposto e o lesbianismo associado a relação com a sua figura mais
jovem, que desponta como herdeira da perversão, é associado aqui a um cansaço
corporal produzido pelos excessos da relação com o sexo oposto. O Prelúdio em Fá Menor de Bach é aqui
utilizado com bem mais parcimônia e de forma menos interessante igualmente,
associado a uma reprodução de gravura de Andrei Rublev, ou ainda o momento de
levitação, todas referências ao universo de Tarkovski. Auto-referências também
surgem, criando expectativas com relação a situação semelhante apresentada pela
criança em situação de risco em O
Anti-Cristo ou o castelo de Melancolia.
O que aparentemente pode ser percebido como uma tensão entre os elementos da
cultura, representados sobretudo pela figura de Seligman e aqueles mais
próximos dos instintos, encarnados em Joe, muitas vezes se tornam unânimes em
acatar posturas controversas, como a da “herança genética”, que transforma numa virtual herdeira de Joe. Zentropa Ent.
123 minutos.
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