Filme do Dia: O Caso dos Irmãos Naves (1967), Luís Sérgio Person
O Caso dos Irmãos Naves (Brasil,
1967). Direção: Luís Sérgio Person. Rot.
adaptado: Jean-Claude Bernardet & Luís Sérgio Person, baseado no romance de
João Alamy Filho. Fotografia: Oswaldo de Oliveira. Montagem: Glauco Mirko
Laurelli. Dir. de arte: Luís Sérgio Person & Sebastião de Souza.
Cenografia: Luís Sérgio Person. Figurinos: Luís Sérgio Person & Sebastião
de Souza. Com: Anselmo Duarte, Raul Cortez, Juca de Oliveira, Lélia Abramo,
John Herbert, Sérgio Hingst, Cacilda Lanuza, Júlia Miranda, Hiltrud Holz.
No interior paulista de Araguary,
final da década de 1930, Os irmãos Sebastião (Oliveira) e Joaquim (Cortez) são
acusados de assassinar o sócio Benedito, que desaparecera misteriosamente com a
vultosa importância de 70 contos de réis, sem deixar praticamente vestígios.
Comandando a mão de ferro as investigações, o Tenente (Duarte) que substitui o delegado local, com
a ascensão do Estado Novo, sente-se pressionado a resolver o caso de qualquer
forma. Ignora a testemunha que diz ter visto alguém muito semelhante a
Benedito. Prende e realiza seguidas sessões de tortura e humilhação com os
irmãos e também com a mãe deles, Donana (Abramo), sob a complacência do juiz de
direito local. Porém a situação começa aos poucos a se modificar quando, após
libertarem Donana, esta suplica ao advogado local (Herbert), para que tome a
defesa do caso. Continando seu serviço, o Tenente continua a perseguir
familiares e pessoas ligadas aos irmãos, incluindo as duas esposas, que acabam
confessando a culpa dos mesmos. Depois de um longo calvário e de terem afirmado
que haviam matado seu irmão, Joaquim Neves afirma o crime e participa de uma reconstituição
armada, embora o dinheiro ainda continue desaparecido. Com a mudança do juiz
local, o novo magistrado (Hings) é
imediatamente inquirido pelo advogado, que tenta fazer com que valha o segundo habeas
corpus que perpretrara contra a prisão ilegal dos Naves. O juiz, que
inicialmente concordara, recua. Porém, com muita determinação, o advogado leva
adiante o julgamento e inocenta os Naves. Porém, o Ministério Público recorre
da sentença e após uma segunda sentença inocentando os réus, novamente é
recorrido um novo julgamento, que condena os irmãos. A pena é reduzido após a
redemocratização do país, em 1946. Enquanto um dos irmãos morre em um asilo, o
outro encontra Benedito, conseguindo indenização da Justiça e tornando-se
manchete nacional apenas 3 anos antes de sua
morte.
Ousado filme de Person, tanto em
termos formais quanto de conteúdo. Esse retrato da violência perpetrada pelo
Estado no período da ditadura de Vargas (cujo retrato reina soberano na sala de
interrogatório do tenente, assim como no tribunal), amparado sobre um caso
real, torna-se talvez um dos principais libelos
anti-autoritários contra o próprio período de ditadura em que o filme foi
produzido, apresentando antecipadamente cenas de tortura que se tornariam
recorrentes no pós-1968. Sem maiores concessões, é abordado todo o continuado
sadismo psíquico e físico que sofre todo um grupo de pessoas, conseguindo
transmitir como poucos o caráter claustrofóbico e paranoico a que são induzidas
as personagens torturadas, tendo seu clímax no momento em que Joaquim Naves
deve encontrar o dinheiro que supostamente escondeu e passa a ser vítima da
chacota dos soldados que o mandam cavar inúmeros buracos. Como em seu trabalho
anterior, São Paulo S.A (1965),a montagem
inventiva se mescla a fluidez visual, já a partir da seqüência inicial, que
descreve em vários planos a cidade onde se desenrola o drama (por sinal, as
filmagens foram realizadas na própria cidade de Araguary, ressaltando o caráter
semi-documental que volta a se confirmar no final, nas manchetes da imprensa da
época e nos locais onde morreram os irmãos, com o suporte da foto fixa e da
“neutra” voz do narrador). Dentro desse esquema, no entanto, cabe a montagem um
particular interesse por parte do cineasta. Como no momento em que intercala
brevissímos planos que apresentam sessões de tortura sofridas pelos Naves e sua
mãe, precursoras de uma estética do grito e da dor que se tornará cada vez mais
presente nas produções do cinema marginal logo depois. Ou em outra seqüência –
apresentando como o boato sobre o desaparecimento de Benedito é comentado pela
pacata cidade - quando a montagem
associativa é utilizada em sua forma clássica. Em um de seus melhores momentos,
planos seguidos que contrapõe reações diversas do promotor, do juiz e do
advogado de defesa detendo-se sobre o processo são expostos fora da lógica
narrativa até então determinante, calcada nos diálogos e na narrativa over. Na
seqüência em questão, predomina a narrativa in off e até mesmo a fala aberta
para a câmera. Lauper/ MC/ MMP. 92 minutos.
Comentários
Postar um comentário