Filme do Dia: Gomorra (2008), Matteo Garrone


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Gomorra (Itália, 2008). Direção: Matteo Garrone. Rot. adaptado: Maurizio Braucci, Ugo Chiti, Gianni Di Gregorio, Matteo Garrone, Massimo Gaudioso & Roberto Saviano, baseado em livro do último. Fotografia: Marco Onorato. Montagem: Marco Spoletini. Dir. de arte: Paolo Bonfini. Figurinos: Alessandra Cardini. Com: Salvatore Abruzzese, Simone Sacchettino, Salvatore Ruocco, Vincenzo Fabricino, Vincenzo Altamura, Italo Renda, Gianfelice Imparato, Maria Nazionale, Carmine Paternoster, Toni Servillo, Marco Macor, Ciro Petrone.
Totó (Abruzzese) é um garoto que faz entregas e mora em um conjunto residencial gigantesco e pobre de Nápoles, no qual gangues rivais se digladiam entre si pelo comando do tráfico de drogas. Pasquale (Cantalupo), é um estilista que trabalha para uma firma que explora a mão de obra das trabalhadoras e cai em desgraça ao aceitar se tornar colaborador secreto de uma confecção chinesa. Roberto (Paternoster), recém-formado, é indicado pelo pai para trabalhar nos negócios escusos com lixo tóxico para Franco (Servillo). Marco (Macor) e Ciro (Petrone), são dois adolescentes inconseqüentes mais velhos que Totó, que roubam algumas armas da Máfia e pretendem agir somente por conta própria. Don Ciro (Imparato), é um cobrador dos “impostos” da Máfia que pretende se aposentar, dada a crescente violência do negócio. Maria (Nazionale), encontra-se ameaçada de morte, desde que traiu um dos grupos mafiosos.
Apesar de se ambientar em local semelhante ao representado por Cidade de Deus, em termos de Itália, o filme de Garrone é de longe mais interessante por se preocupar menos com estratégias espetacularizantes para sua ação do que tecer uma complexa teia de associações que possuem como eixo as múltiplas atividades da Máfia. Há uma tensão que se espraia para o filme como um todo e o modo virtuoso com que tal tensão é construída tem na dimensão de tempo e na subjugação de todo e qualquer personagem a uma lógica e ética próprias, da Máfia, inclusive quando para ser rompida, como no caso da morte de Maria ou dos jovens desafiadores do “sistema”, talvez sejam alguns dos grandes trunfos do filme. O maior deles sendo o modo como o cineasta descreve a comunhão entre as atividades ilegais do submundo e alguns dos ícones sociais mais destacados pela mídia como unidos, mesmo que de forma irônica, por uma tortuosa rede, de quase impossível genealogia – caso, sobretudo, da ironia com o vestido utilizado por Scarlett Johansson na noite do Oscar, produto do estilista-fantasma e de costureiras chinesas que são fruto da exploração brutal do capital. Aqui, inverte-se a habitual noção de que a alta costura somente é surrupiada por pequenos estilistas, também ocorrendo o oposto.  Os Estados Unidos, de certa forma, representam mais que qualquer outro local, aonde esse dinheiro sujo ganha respeitabilidade, pois além da menção ao Oscar, as dispensáveis cartelas finais, referem-se ao fato de existir dinheiro mafioso infiltrado na reconstrução do prédio que substituirá as torres gêmeas em Nova York.  É evidente que ao dirigir tal ironia para o mundo do cinema, sobretudo de entretenimento, Garrone parece aqui estar demarcando seu diferencial desse tipo de cinema (inclusive a representação da Máfia nesses). O que não deixa de ser, em parte equívoco, pois mesmo seu tom de denúncia social sendo bastante evocativo de um  Francesco Rosi, toda a estrutura de seu filme é marcada por códigos desse cinema de entretenimento, mesmo que mesclados com elementos mais próximos do cinema moderno, como a recusa do uso da música que não seja diegética, planos longuíssimos para a média atual e elipse. Seus planos abertos, chegando as vezes a serem monumentais, como no caso do aterro sanitário ou ainda descritivos do horrendo conjunto habitacional onde boa parte dos personagens morre, sempre a realçarem uma praticamente inescapável sujeição do social sobre o indivíduo, são igualmente uma recusa da estilística preferida do cinema contemporâneo.  Como Cidade de Deus, o filme se beneficia enormemente tanto do uso, em sua maior parte, de atores não profissionais, falando em dialeto napolitano, quanto de suas estrategicamente desoladas locações. Nada, aliás, que o cinema neorrealista de mais de meio século atrás já não o fizesse. Grande Prêmio do Júri em Cannes. 137 minutos.


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