Filme do Dia: O Estranho (1946), Orson Welles
O Estranho (The Stranger, EUA, 1946) Direção: Orson
Welles. Rot.Original: Orson Welles, Anthony Veiller & John Huston, baseado
no argumento de Victor Trivas. Foto: Russell
Metty. Música: Branislaw Kaper. Com: Orson Welles, Loretta Young, Edward
G.Robinson, Philip Merivale, Richard Long, Byron Keith.
Charles Rankin (Welles) é professor do ginásio da
pacata Harper, cidade interiorana americana. Espécie de cidadão acima de
qualquer suspeita na cidade, sua tranquilidade será ameaçada com a chegada de
um ex-colaborador que sabe sua verdadeira identidade - a de líder nazista. Temendo
que alguém reconheça sua ligação com o visitante, Raskin assassina-o no mesmo
dia em que casará com Mary Longstreet (Young), último estágio para à afirmação
de sua completa credibilidade na cidade e afastar qualquer suspeita de seu
passado - Mary é filha do renomado diretor do ginásio, americana e, para
completar, de origem judia. O detetive Wilson (Robinson), no entanto, que
seguia os passos do visitante, temo fortes suspeitas de que Raskin é um
ex-carrasco nazista do qual não se possuíam registros fotográficos. Suas
suspeitas aumentam em um jantar na casa dos Longstreet, quando Raskin descarta
a germanidade de Karl Marx por ser judeu. No seu jogo de gato e rato, Wilson
conta com um aliado, Noah, irmão de Mary,
a quem confia suas suspeitas. Após alertar também o pai de Mary, chama a
própria Mary para uma esclarecedora sessão cinematográfica sobre a origem de
seu marido, destacando sua conhecida paixão por relógios, idêntica a do
nazista. Wilson tem que lidar agora com a recusa superficial da esposa em
acreditar que seu marido é um criminoso nazista, embora no subconsciente ela já
aceite o fato. Preocupado com a possibilidade de que Mary, em um ato falho,
acabe por entregá-lo, Raskin planeja seu crime, chamando-a urgentemente para a
torre do carrilhão do relógio em que trabalha, após ter previamente cerrado a
escada, enquanto no momento encontra-se jogando damas com um vendedor bastante
popular da cidade. Alertado pelo detetive para não deixar que Mary afaste-se
sozinha, a criada simula um ataque, e Mary pede a seu irmão que vá em seu
lugar. Noah vai juntamente com Wilson, que quase chega a cair. Ao voltar para
casa, transtornado ao encontrar a esposa viva e saber que mandara o irmão em
seu lugar, Raskin trai-se e revela seu plano de assassiná-la. Enquanto todos
procuram-no, Raskin refugia-se na torre do carrilhão da igreja. Mary vai até
lá, não para ficar do seu lado como se imagina, mas para tentar matá-lo. O
detetive Wilson chega logo após. A confusão está armada. Raskin, acuado e
levemente ferido por um tiro de Mary, tenta fugir mas não escapa do carrilhão
do relógio, sendo jogado do alto da torre da igreja, quando uma multidão já se
aglomera embaixo.
Primeira
incursão oficial de Welles no estilo noir
- as outras seriam A Dama de Xangai,
Grilhões do Passado e A Marca da Maldade - é um thriller que
rescende ainda a paranoia com a guerra recém-finda e, para Welles, seria uma
forma de provar aos estúdios que seria capaz de lidar com material mais
convencional, após o fracasso comercial de Soberba.
Muito antes de David Lynch, Welles - assim como o Hitchcock de A Sombra de uma Dúvida demole, mesmo
que temporariamente, com a inocência americana. Em uma sequência antológica,
Mary tem que se defrontar com a crua verdade dos campos de concentração,
através de imagens de documentários e exclama: "Por que me mostram esses
horrores?". Certamente preferiria se agarrar a doce ilusão de que
finalmente havia conquistado um dos pilares do sonho americano - família, bom
esposo, viver tranquilamente etc. Talvez seja a melhor sequência do filme,
apresentando os reflexos bruxuleantes da projeção da película sobre o rosto
angustiado de Mary em close-up, cada vez mais descrente de sua verdade. A
ilusão trazendo à tona a realidade.
Outra cena inesquecível é a do assassinato do visitante por Raskin, logo
após ambos se ajoelharem para rezar. Porém o que o filme parece afirmar é que
tudo será reconstituído como antes após o elemento estranho ter sido banido. Já
a partir do título o que parece se afirmar é que a maldade vem de longe, de um
outro, de um estranho - que também, não por acaso, é estrangeiro. Já no filme
de Hitchcock anteriormente referido, o impacto é ainda maior, já que o
"sonho americano" é posto à prova de dentro mesmo, através de um tio
da heroína. Ironicamente o vilão será morto pelo objeto de sua paixão: as
estátuas do carrilhão do relógio - um símbolo da cristandade a destroçar com o
nazismo. RKO. 95 minutos.
Comentários
Postar um comentário